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​Conversa, quinta feira, 24 de outubro 2013

Hoje é um dia que me é muito querido. Nesse dia, aniversário da consagração da Igreja do mosteiro de Olinda, em 1969, Dom Hélder Câmara me impôs as mãos e me ordenou presbítero (padre). Desde criança, ao ver os padres do Sagrado Coração (dehonianos) que serviam à paróquia de Camaragibe (tinham um contato muito bom com as pessoas pobres como era minha família), eu quis ser padre. Mas, era uma fantasia de criança. Entrei no seminário do Sagrado Coração aos dez anos e saí com onze. Durante a adolescência quase toda não pensei nisso. Queria ser veterinário de animais selvagens. Mas, aos 16, eu estudava para isso - pensando em Veterinária - na Escola Agrotécnica de São Lourenço da Mata (ficava em um lugar lingo, hoje, definitivamente sepultado pelas águas da barragem do Tapacurá, entre Tiúma e Chã de Alegria). Ali conheci um pequeno mosteiro onde viviam três monges de Olinda, dois alemães já de idade, sendo um deles um homem santo e muito cordial, Dom Agostinho Ikas. 

Através dele, entrei em contato com a espiritualidade beneditina e gostei - do aspecto comunitário, do conteúdo bíblico - em uma época na qual na Igreja Católica ainda era raro se falar de Bíblia - e litúrgico. 

No final de 1962, mal completava 18 anos,  entrei no mosteiro de Olinda para ser monge e minha ideia de padre mudou.Não queria mais ser vigário de paróquia e sim pregador da palavra. Mas, como ser pregador da palavra e monge de mosteiro de clausura? Eu queria um mosteiro aberto à missão. 18 anos. Inquieto, rebelde, perguntador de tudo e aberto a tudo, mesmo ao que eu não conhecia. Aberto por opção de ser aberto e pronto. A coisas que eu nem entendia direito - política, por exemplo. Qual era o candidato de esquerda? Era o meu. Por que? Por que era para mudar. E pronto. Imaginem que no mosteiro de quase 500 anos, antes do Concílio Vaticano II, esse meu modo de ser criava problemas, mas tanto o mestre de noviço (meu amigo até hoje) e o abade (que está no céu) gostavam de mim e os conflitos eram de amizade e não de distanciamento. 

A partir daquela realidade pensei que ser padre era uma forma de ajudar a que o mosteiro fosse mais missionário e por isso quis ser padre. Tive a sorte de conviver e até pedir ao abade para morar com os irmãos de Taizé por três anos, dos quais dois antes de ser padre. E desde, então, 1967, Dom Hélder me chamou para ajudá-lo como secretário seu para o ecumenismo. Isso ajudou-me demais a abrir a mente e entrar verdadeiramente (e não apenas porque queria) na Igreja popular. 

Fui ordenado na tarde do 24 de outubro de 1969. De lá para cá, quantas mudanças, quantas crises e conflitos comigo mesmo, com os outros e com a Igreja e a ordem. Graças a Deus, nunca tive crise de fé - nunca me senti em crise com Deus no sentido de me distanciar dele - e também posso dizer que nunca houve algum momento em que eu me arrependi de ser padre, embora meu modo de ser padre e de compreender o ministério mudou radicalmente desde que fui ordenado para hoje. 

Hoje, sinto-me meio marginal e marginalizado nos âmbitos oficiais de Igreja. Aceitei isso e alguns amigos até dizem que sou culpado disso. Facilitei. Falei coisas que não devia (por exemplo, para que escrever uma carta aberta ao papa João Paulo II em 2004?). Até hoje pago caro por isso. Quando fico sabendo que um arcebispo amigo (não quero dizer de onde) propôs ao conselho presbiteral convidar-me para pregar o retiro anual da arquidiocese e o conselho rejeitou e votou contra meu nome - confesso e não nego que isso me entristece. Queria colaborar mais com minha Igreja, a Igreja que amo - e não posso. Mas, os movimentos populares, as comunidades eclesiais de base e o pessoal mais ligado ao que há de mais novo e aberto me aceitam, me apoiam e eu me sinto em casa com eles. Isso me basta. Hoje, não acredito mais no ministério de padre como uma espécie de sacerdócio pagão que faz de mim um homem do sagrado e diferente do leigo. Meu ministério presbiteral se apoia no sacerdócio comum de toda pessoa batizada, se fundamenta no batismo e a imposição das mãos apenas confirma e radicaliza a missão que tenho como cristão. Sou padre para ajudar todos os cristãos a viver o seu sacerdócio, a descobrir que todos somos pessoas sagradas sim e que o próprio universo é santo e que todos somos embaixadores de Deus no mundo e sinais do seu amor e da unidade visível de todos os crentes.  Esse modo de compreender e viver a missão eu quero continuar vivendo até o último suspiro. Adoro celebrar a eucaristia - não como um ritual de sacrifício - mas como um memorial da Páscoa de Jesus e ceia da unidade. Não me sinto bem quando me obrigam a seguir o missal e fazer o rito como se fosse um legalismo - sinto-me como um louco aprisionado por uma camisa de força, mas quando posso, mesmo dentro do rito comum, ser eu e testemunhar o amor além de tudo que sinto pelo Evangelho e pela maravilha de retomar a ceia de Jesus, como também pelos irmãos e irmãs que estão ali, então, sim, me sinto no céu - voo, vou e volto, sem tirar os pés da terra da política e da luta cotidiana da vida. O que preciso é deixar que essa mania pelos pobres, pelos índios, pelos negros e por toda pessoa marginalizada faça cada vez mais parte da minha forma de viver a intimidade com Deus que me dá tanto e ao qual infelizmente eu ainda dou pouco, pouco. Mas, que vocês me ajudam nisso, ajudam muito. Obrigado e Deus os/as abençoe sempre. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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