Mais um dia tomado para exames de saúde e médicos. Graças a Deus, no final, à noite, fui ao lançamento de alguns livros no Museu do Estado. Fui convidado por Félix Filho que lançava o seu livro "Além das idéias" (Histórias de vida de Dom Hélder Câmara). Quando era jovem, Félix participou do grupo de jovens da Fraternidade que eu coordenava em Olinda e desde essa época somos amigos. Ele me disse ter incluído no livro duas histórias sobre Dom Hélder que eu conto porque foram experiências que tive com o Dom. No começo da noite, recebi um telefonema. Era um jornalista do Diário de Pernambuco. Queria me entrevistar sobre o conflito que houve entre Dom Hélder e Gilberto Freire. Respondi que não estou a par de detalhes sobre isso. Ao que me consta, Dom Hélder nunca brigou com Gilberto Freire. Sempre o tratou muito bem e nunca expressou nenhuma dificuldade com ele. Foi Gilberto Freire que, por ser contrário às idéias e propostas de Dom Hélder, começou a detratá-lo publicamente e escrever contra ele. Dizem que no final da vida, os dois se encontraram e se reconciliaram. Mas, tenho certeza de que Dom Hélder nunca teve problemas com relação a isso. Aliás, ele dizia que se Deus lhe deu uma graça, foi de não guardar mágoa nem raiva de ninguém. E nós que éramos próximos dele sabemos como isso era verdade. Conviveu com padres que eram contra a linha dele e sempre os respeitou e foi aberto a eles. Para mim, o Dom sempre foi o exemplo de uma pessoa que praticou a não violência profundamente nas relações próximas e nas relações públicas. Nunca escreveu contra ninguém, embora tenha vivido um momento em que muitos intelectuais falavam mal dele.
Tentei viver isso, principalmente no mosteiro de Goiás quando descobri que nem todo mundo me aprovava e nem todos eram amigos (e eu tinha a imaturidade de não compreender por que alguém poderia não querer ser meu amigo). Tenho a consciência de nunca ter feito o mínimo mal a alguém, ao menos conscientemente e embora sou de temperamento muito susceptível e fácil de me magoar, optei por ser bom com todos e conviver com todos, amigos ou não, pessoas confiáveis ou não... O exemplo do Dom me ajudou tanto nessa época que durante os últimos meses no mosteiro de Olinda, escrevi o meu livro "Dom Hélder, profeta para os nossos dias", que não é uma biografia e sim o meu testemunho sobre a herança que ele deixou para a juventude de hoje.
Em suas cartas circulares, nos anos do Concílio, ele cita várias vezes, poemas do padre Daniel Lima. Apesar de ser de Recife e ter me criado aqui nunca conheci pessoalmente o padre Daniel Lima. Mas, conheci sim através de Dom Hélder e de outros, poemas belíssimos e profundos que ele fazia e não queria publicar. Agora a editora do museu do Estado publicou como uma homenagem póstuma (já que ele nos deixou), "Sonetos quase sidos". Dei uma olhada rápida. Alguns chamam a atenção pela beleza simples e falante. O primeiro agora publicado é de 1952. Eu tinha apenas 07 anos. Ele o chama "Alma simultânea". E nele escreve:
"Tenho qualquer idade em qualquer tempo;
velho agora e menino logo adiante;
aqui jovem e depois, homem maduro;
às vezes, nem nascido, às vezes, morto.
A idade em mim rebenta impetuosa,
não do tempo existido, mas das coisas
que me criam, e também que são criadas
pelo que sou e sinto em face delas.
Menino e velho sou, não sucessivo,
mas simultâneo a cada sentimento
- múltipla idade de uma alma múltipla.
Às vezes já estou morto há muitos anos,
muito depois e frio; mas, às vezes
sinto que vou nascer, sinto-me antes. (Recife, 2. 5. 1952).