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Conversa, sábado, 27 de julho 2013

“Quando só o papa salva”

“Só o papa salva” é a manchete de primeira página do O Globo deste sábado, 27 de julho, penúltimo dia da Jornada Mundial da Juventude. Essa manchete do jornal carioca joga propositalmente com a ambiguidade de sentidos. Quem lê a notícia descobre que se está tratando da desorganização da jornada a qual o prefeito do Rio deu nota zero. No caos que a jornada provocou na cidade, o papa é o único elemento que deu certo, tanto em sua comunicação direta e simpática, como por sua disponibilidade e energia em cumprir pontualmente todos os compromissos e agradar a todos os que o esperavam e queriam encontrá-lo.  De todos os modos, por falar em salvação, o título não parece  distante daquilo que é proposto e acreditado pelos organizadores e pela maioria dos/das participantes da Jornada Mundial da Juventude. É um evento criado pelo papa João Paulo II em 1985 para atrair a juventude do mundo para a Igreja Católica tradicional, para não dizer tradicionalista, no sentido de volta à velha Cristandade dos séculos medievais com algumas pinturas de nova (alguns falam em neo-cristandade): Cristandade centralizada e simbolizada pela figura monárquica do papa. Conforme o desejo de João Paulo II e o pensamento do Vaticano, o papa é a única estrela do evento. Se não fosse o papa, nunca a Jornada da Juventude reuniria um milhão e meio de pessoas. Por outro lado, a novidade desta Jornada do Rio é o papa Francisco. A pergunta que muita gente se faz é o que significa esse papa com seu estilo simples e simpático nessa estrutura monárquica, absolutista e, ao mesmo tempo, fossilizada e em grave crise do Vaticano e da hierarquia eclesiástica católico-romana. 

Não podemos esquecer: a própria figura do papa, como ele se apresenta hoje, chefe de Estado e sumo-pontífice, é de Igreja Cristandade. Ele pode falar no evangelho e pedir fé em Jesus, mas, seja quem for o papa, a centralização que provoca em sua pessoa e em cada gesto seu (mesmo se for simpático e evangélico), no lugar de ajudar as pessoas a se aproximarem do evangelho, como pede justamente o papa Francisco, acaba reforçando a estrutura eclesiástica e patriarcal e não o testemunho do Cristo simples, pobre e libertador. Enquanto o papa não renunciar a ser chefe de estado e monarca absoluto da cristandade medieval, pode fazer esses gestos simpáticos de deixar papamóvel e andar de jipe ou querer estar mais perto do povo. Entretanto, será sempre um rei, como rei será visto e como rei, mesmo rei humilde e simpático, mas rei, se comportará.

A Jornada fala em missão. Seu lema é “Ide e anunciai. Fazei discípulos em todas as nações”. No entanto, a compreensão sobre missão é estritamente religiosa e espiritualista. Não há nenhuma abertura para a missão do jovem na escola e na universidade ou no trabalho. Nada ecumênico, nenhuma referência a outras Igrejas, outras religiões ou simplesmente à juventude do mundo que não acampa em nenhuma catedral religiosa. E mesmo a concepção dessa missão religiosa é estritamente tradicional, baseada em devoções dos tempos de nossos avós  e anterior à renovação da Igreja promovida pelo Concílio Vaticano II.

Durante a semana, ligada à Jornada, o pessoal mais ligado às pastorais sociais e CEBs, organizaram a Tenda dos Mártires, implantada em uma paróquia da zona norte do Rio, com debates e celebrações no estilo da caminhada da Igreja dos mártires e da libertação. Longe de Copacabana e dos principais eventos, só foi lá quem já estava ligado.

Sem dúvida, nesses dias, companheiros/as mais ligados à Igreja das bases, tentamos aproveitar uma ou outra palavra de Francisco, aqui e ali, para ressaltar o seu apoio aos empobrecidos e seu desejo de um mundo mais justo e igualitário. E o papa disse palavras assim. Mas, como transpor a própria cultura na qual isso é dito e assim essas palavras se tornarem mais eficazes? 

Na Via Sacra encenada na Jornada, de um lado liam textos da profecia do Servo Sofredor de Isaías (sobre o messias humilhado e oprimido) e, ao mesmo tempo, embaixo do palco, a Cruz peregrina tinha uma guarda de honra da marinha brasileira ou do exército marchando militarmente ao seu lado, enquanto os atores da Globo recitavam os textos.

Nessa jornada, ao inserir-se nessa Igreja tão tradicional e fechada, o papa ajudou porque, através de seus gestos e palavras, propôs que ela se torne mais humana e próxima das pessoas. O papa exortou os cristãos a não perderem a esperança, a manterem a alegria e a não cederem à cultura do individualismo. Tomara que ao menos isso fique como proposta do papa durante essa semana e padres e bispos obedeçam a esse conselho.

Ontem, entrei em uma farmácia para comprar uma aspirina e ouvi a discussão de dois homens na fila do caixa. Um protestava pelo fato de um evento particular de uma Igreja causar tanto dano ao trânsito à vida da cidade (dois dias de feriado municipal). E o outro respondeu: “Tem paciência porque isso é o canto do cisne de uma Igreja que está morrendo e não aceita reconhecer isso”. Ouvi aquilo, mas discordei. Justamente, ao contrário, minha impressão ao ver essa semana toda centrada em devocionalismos baratos ou meio vazios e em uma papolatria superficial e inútil, uma coisa me impressionou: a teimosia da fé de muita gente, (tanto pessoas jovens, como adultas), que, apesar de tudo e contra tudo, se mantém como base para comunidades de fé, mais sólidas e autônomas, centradas na liberdade do Espírito que “sopra onde quer, ouvimos a sua voz, mas não sabemos de onde vem, nem para onde vai” (Cf. Jo 3, 7).

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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