Acabo de saber do falecimento de Dom Waldir Calheiros, bispo emérito de Volta Redonda, um dos bispos profetas da Igreja que resistiu à ditadura militar no Brasil (uma vez foi preso e chegou a ser agredido por militares). Era o pastor dos operários e o anjo da justiça em uma Baixada Fluminense que até hoje é violentíssima.
Ao mesmo tempo, era um homem extremamente alegre e brincalhão, simples e cordial. Apesar de há anos estar afastado da dioceses, mantinha sempre uma atividade de retiros e de ajuda a outros bispos e sempre em uma linha muito aberta e profética.
Já tinha seus 90 e nos últimos tempos, estava mais retirado. Mas de todo modo, sua partida significa uma imensa perda para a Igreja mais aberta no Brasil, principalmente, se consideramos que restam poucos bispos assim como Dom Waldir.
Hoje decidi ler e estudar a exortação apostólica Evangelii Gaudium do papa Francisco. Um documento grande, talvez longo demais para uma exortação que poderia ser mais leve para ser lida por mais gente. Pelo que percebo, muitos da geração mais jovem do clero, têm dificuldade de ler coisas longas. Um deles me disse isso em sala de aula. Estou lendo devagar para compreender bem o que ela significa de novo para a Igreja, porque, de fato, é dirigida aos católicos. A proposta é a de uma nova forma da Igreja ser e da Igreja realizar sua missão mais baseada na alegria do evangelho do reino de Deus do que na lei e na estrutura.
A primeira parte do texto (os primeiros vinte números) é linda e simples. Li para mim mesmo - o convite a alegria. Nunca imaginei um papa que em um documento pontifício citasse o Eclesiástico, quando diz: "Trata-te bem. Não te prives da felicidade que está no presente" (Eclo 14m 11. 14).
No número 6, o papa diz: Há cristãos que parecem preferir uma Quaresma sem Páscoa... Li isso com alegria porque eu tenho a impressão de que muitas vezes a propria Igreja prega uma Quaresma sem Páscoa ou uma Quaresma mais importante do que a Páscoa. Depois gostei muito de como o papa propõe uma descentralização da Igreja e diz claramente: "Não convém que o papa substitua os episcopados locais" (n. 16).
Depois ele insiste que o apelo de Cristo à conversão não se dirige somente a cada pessoa, mas à Igreja como conjunto e a conversão da Igreja se dá por sua renovação. E aí ele insiste em uma reforma inadiável (n. 26- 27). Deve ser a primeira vez em que um documento de um papa fala em comunidades eclesiais de base (n. 29) e retoma a centralidade da Igreja particular como Igreja e a descentralização deve partir de uma nova valorização das Igrejas locais (n. 30) e el quer mudar a forma de exercer o ministério do papa (32).
E para mim foi ótimo redescobrir um papa que depois de João XXIII é o primeiro que afirma que todas as verdades da fé não são iguais. Há como dizia o Concílio Vaticano II, uma hierarquia das verdades da fé. E o papa Francisco continua: das verdades da fé, das virtudes e da moral. (números 36 e 37). Eu acho isso importante porque o Recife teve um arcebispo que chegou a dizer que o aborto é um pecado maior do que um homem violentar sexualmente uma menina de nove anos. Nessa carta, o papa Francisco pede que novamente se reflita sobre a hierarquia das verdades da fé e da moral. E cita Sto Tomás de Aquino que já falava sobre isso. Depois disso, retoma outro ponto que era importante para o papa João XXIII (e os papas que vieram depois parecem ter esquecido): a diferença entre a verdade e a formulação da verdade, ou seja, o dogma. Uma coisa é a fé e outra é a forma como expressamos a fé. Às vezes, as pessoas se dividem não pela fé, mas pela forma de expressar a fé (n. 41).
Deixo a segunda parte do documento para comentar na próxima vez, se não canso vocês.