Estou em Santa Maria, RS, para mais um curso de verão Oscar Romero. O tema é a Igreja, 50 anos depois do Concílio Vaticano II. Terei um dia e meio para conversar sobre isso em uma metodologia não de palestra e sim de fórum e diálogo. E entre os 80 alunos e alunas, terei muitos jovens, mas também alguns teólogos e mestres, inclusive o grande padre José Marins que desde o tempo do Concílio, formou gerações e gerações em toda a América Latina.
Não sei como dizer ao pessoal que o importante em si não é a Igreja e sim o mundo e a Igreja é a serviço do mundo. Deveria ser ensaio de um mundo novo.
A realidade política do Brasil está difícil. Mal começa o seu segundo mandato e a presidente Dilma parece ir na direção oposta a tudo o que prometeu durante a campanha eleitoral. Nesse sentido, concordo inteiramente com o artigo do André Singer, publicado na Folha de São Paulo. Aqui o transcrevo:
O critério da verdade
Por ANDRE SINGER, na Folha de São Paulo
03/01/2015 02h00
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Dilma Rousseff encerrou a mensagem ao povo reunido para a sua segunda posse em Brasília com um juramento. "Nenhum direito a menos, nenhum passo atrás, só mais direitos e só o caminho à frente. Esse é meu compromisso sagrado perante vocês."
No entanto, três dias antes, o governo anunciou que cinco benefícios previdenciários sofreriam cortes de R$ 18 bilhões. A tesoura vai cair sobre o seguro-desemprego, o abono salarial, a pensão por morte, o auxílio-doença e o seguro defeso (voltado para os pescadores). Todos de interesse direto dos pobres. O montante subtraído equivale a cerca de 70% do gasto com o Bolsa Família em 2014.
A desconexão entre palavras e atos constitui perigosa sequência daquela produzida por uma campanha à esquerda e a montagem de um ministério à direita. Em geral, o chamado povão já tende a considerar que o universo dos políticos lhe é alheio. Mas a ruptura de qualquer elo lógico entre o que se diz e o que se faz tende a potencializar as reações de violento descrédito que virão quando o efeito real das medidas começarem a ser sentidas na pele.
O argumento apresentado para compatibilizar a gritante contradição é que não se trata de retirar direitos e sim corrigir "distorções". Essa é a justificativa principal da doutrina que, nas últimas décadas, dedicou-se de maneira sistemática a desmontar o Estado de Bem-Estar Social onde ele existia e a impedir a construção do mesmo onde era incipiente, caso do Brasil.
Desde o início, neoliberais procuraram mostrar, por exemplo, que, nos países avançados, as transferências de renda para a força de trabalho desempregada tinham produzido gerações de preguiçosos. O apoio àqueles que temporariamente não encontravam colocação teria sido "distorcido" na forma de um estilo de vida permanente baseado na previdência pública.
A força do argumento está em que ele corresponde à verdade em certo número de casos. Com efeito, é plausível que alguém prefira viver com o muito pouco ofertado pelo Estado do que aceitar uma vaga no mercado, em geral precária. Em nome disso, muitos direitos foram diminuídos nas últimas décadas mundo afora.
Mas o ponto principal é que a "distorção", embora exista, tende a ser amplamente minoritária quando se olha o conjunto dos beneficiados. A grande maioria destes é constituída por homens e mulheres que desejam encontrar, o mais rápido possível, inserção produtiva com remuneração digna, que lhes permita viver sem precisar de qualquer auxílio.
Ao jurar que nenhum direito será diminuído, Dilma concorda com isso. Ao diminuí-los, adere ao contrário. Como dizia o velho barbudo, é na prática que se demonstra a verdade.