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Conversa, segunda feira, 15 de fevereiro 2016

Hoje, o mundo recorda os cinquenta anos do martírio do padre Camilo Torres. Talvez alguns possam estranhar eu que chame de "martírio" esse irmão que morreu nas montanhas da Colômbia como guerrilheiro, na luta contra uma ditadura, sustentada pela elite econômica que dominava o seu país. Mas, a Igreja não chama de "mártir" Santa Joana d'Arc que, de certa forma, apesar de ter sido assassinada pela própria Igreja (um decreto do bispo), foi como conseqüência de ter lutado a favor da França contra os ingleses? Alguém quer a lista de santos que participaram de combates ou mesmo que morreram em batalhas? É claro que isso foi em outros tempos, mas o que significa? Evidentemente, hoje, estamos convencidos (eu e vocês) de que nenhuma guerra é santa e normalmente o uso da força (violência) não se justifica. No entanto,  um ano depois da morte de Camilo Torres, o papa Paulo VI na encíclica Populorum Progressio afirma que o cristão não deve ser a favor da violência armada "a não ser em caso de prolongada e injusta ditadura e só como último recurso"(n. 31 da carta). Ora, esse foi exatamente o caso de Camilo Torres. Depois de ter tentado tudo e mais como um gesto profético para mobilizar ou chocar a Igreja e a universidade da qual era professor ele aderiu oficialmente a guerrilha. Provavelmente nunca deu um tiro em ninguém e pregava claramente a não violência ativa de Gandhi... (Podemos ler isso em seus escritos. Em Goiás, eu tinha em francês o livro de seus diários).

Não o conheci. (Quando ele morreu, eu tinha 21 anos e estava me formando). Mas, tenho o privilégio de ser, há muitos anos, amigo de François Houtard, sociólogo reconhecido em todo o mundo, intelectual com centenas de trabalhos publicados e que mesmo hoje com quase 90 anos continua a ajudar o processo de educação dos indios no Equador.  Por muitos anos, François foi professor na Universidade de Louvain (hoje Louvain la Neuve) e foi além de seu mestre em todo o curso de Sociologia, o orientador de tese de Camilo. E François confirma isso que estou escrevendo...

Conta-me que Camilo era um jovem inquieto, filho de família de classe média de Bogotá. Como muitos jovens latino-americanos do seu tempo, foi completar seus estudos na Europa. Desde o começo de seus estudos, vivia revoltado com a estrutura social e política em seu país que era responsável pelo massacre de camponeses e a escravidão não declarada de uma multidão de pobres na cidade. E ele se sentia pior ainda porque a sua Igreja (a Igreja da qual ele se tornava padre) era omissa com relação a isso. Não fazia nada para mudar a situação. Ao contrário, a maioria dos bispos e padres a apoiavam. Quando voltou à Colômbia (1964?) foi colocado pelo cardeal de Bogotá como capelão universitário e professor na universidade. Tinha um contato maravilhoso com os jovens. E procurava um caminho de resistência e de luta não violenta. Foi impossível. Viu companheiros desaparecerem... Teve provas de torturas e a censura à imprensa era total. Ele não tinha como prosseguir sua luta a não ser incorporando-se à guerrilha, até com o intuito de ajudar a que os companheiros permanecessem sempre muito respeitosos um do outro, da dignidade humana mesmo do inimigo e pudessem eles terem no meio deles uma testemunha (dizia ele) de Jesus Cristo... Em seu diário, anotou e eu li: "Deixo o sacerdócio oficial e renuncio a celebrar a eucaristia no altar de um templo católico para viver o que significa a eucaristia (dar a vida) na montanha e com um fuzil na mão". Essa sua afirmação foi muito mal compreendida, mas quem lê o evangelho poderá compreender: Durante a ceia eucarística, Jesus perguntou aos discípulos: "Quando eu enviei vocês pelos caminhos, sem bolsa, sem sacola, sem sandálias, faltou alguma coisa a vocês? Eles responderam: Nada. Jesus continuou: "Agora, porém, quem tiver bolsa, corra para pegá-la e quem não tiver espada (arma), venda o manto para comprar uma. Porque, eu lhes declaro: é preciso que se cumpra em mim a palavra da Escritura que diz: Ele foi incluído entre os fora da lei. E o que foi dito a meu respeito, vai se realizar. Eles disseram: Senhor, aqui temos duas espadas. Jesus lhes respondeu: É o bastante"(Lucas 22, 35- 38).

É claro que podemos discordar de Camilo Torres quanto ao método de sua luta e podemos achar que teria sido mais útil ao povo colombiano ele ter prosseguido o seu ministério de outro modo. Era um rapaz novo e é difícil a gente a partir de hoje em dia e de uma situação confortável e segura julgar o que teria sido melhor ou mais correto para ele há 50 anos e em um contexto social e político totalmente diferente do nosso de hoje. De todo modo, me parece que devemos valorizar a importância de sua profecia evangélica e aprender dele que até hoje como diz Jesus "o reino dos céus sofre violência e são as pessoas radicais que o conquistam". É sim a violência dos pacíficos, mas o próprio Gandhi que deu a vida pela não violência afirmava que era melhor o uso das armas do que a omissão desamorosa.

Viva Camilo em sua mensagem profética e que Deus nos ilumine no discernimento do nosso caminho. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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