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Conversa, segunda feira, 17 de novembro 2014

Aeroporto internacional de Los Angeles. Oito horas da manhã. Para não cair no engarrafamento gigante que aqui é pior do que qualquer cidade brasileira, o meu amigo, o reverendo Fred Morris me trouxe para cá muito cedo. Tivemos de sair de casa às cinco da madrugada. Cheguei aqui antes das seis da manhã. Meu voo que seria às 10, 30 h foi cancelado. A American Air Lynes não avisou e simplesmente sem dizer nada me colocou no próximo: às 15 horas. Como iria participar de uma festa no Candomblé em Salvador pela saída da obrigação de sete anos do meu irmão e amigo Robson, marquei essa viagem voltando por Salvador. Resultado: no Candomblé anteciparam a festa e de qualquer modo vou perdê-la. E quando soube disso, não pude mais alterar o bilhete sem pagar uma multa pesada. E para ir de Los Angeles a Salvador, a companhia me obriga a ir por Miami. Um voo de um dia inteiro. E ainda por cima suspendem o voo e me fazem ficar aqui das seis da manhã até às 15 horas. Como não há  o que fazer, o melhor é relaxar e viver...

É difícil fazer uma avaliação dessa semana aqui em Los Angeles. Foi a primeira vez que vim aqui. Nos EUA, conhecia Chicago, Nova York, Orlando e Miami, além da região do Vermont onde fica o mosteiro de Weston, no nordeste do país.

Los Angeles é imensa. Mais de três milhões de habitantes. Uma cidade construída em meio a um deserto. Canyons, colinas, planícies, tudo muito seco. Há três anos não chove. Desiguadade social imensa. Aqui vi os homeless, cada um com seu carrinho de supermercado (me disseram que a maioria é roubado) e onde eles têm praticamente sua casa. Da cidade, propriamente, vi pouca coisa. Andei muito de carro. Quando não se anda a pé, não se conhece. Não fui muito ao centro. Uma única vez e rápida, passamos por Hollywood: Calçada da Fama, o Teatro Chinês ou não sei qual o seu nome onde, a cada ano, se realiza a festa do Óscar. E um breve passeio de carro pelas colinas em torno para ver (de fora, é claro) as casas de gente famosa. Aqui mora Jack Nicolson, ali é a casa de Tom Cruise, etc... Não gostei. Não porque o ambiente seja feio, mas porque achei tudo muito artificial. E imaginei o que é a vida de duas, três ou quatro pessoas naqueles palácios imensos e isolados por segurança... E a multidão de gente (babaca???) admirando e esperando a consolação de poder dizer: vi fulano, ou vi sicrano... De longe...

Fui também a uma antiga missão do tempo em que essa região era México. A missão de San Fernando. Bonito o conjunto do convento e sítio histórico. Mas, a mesma coisa quando se pensa no que está por trás: a colonização brutal e em nome da fé.

Nesses dias, a coisa mais importante e positiva foi visitar Fred e sua esposa Argentina. Estar com eles, atualizar uma amizade de mais de 40 anos. Isso foi o mais importante. Não tem preço e nem dá para avaliar quantitativamente. Procurei estar presente e pronto. É claro que também tinha como projeto apoiar Fred em seu intento de começar um trabalho aqui com uma comunidade de migrantes latino-americanos na periferia - North Hills, onde ele, aos 81 anos, está assumindo a responsabilidade por uma Igreja Metodista que, há anos, estava fechada. Nessa semana, participei de três eventos: um encontro com pastores amigos e vizinhos todos migrantes latinos e trabalhando com latinos. Vieram poucos. A reunião foi boa e parece que começou uma aproximação que poderá ser continuada no próximo ano. Vejamos. Eles me disseram que me convidariam para voltar e dar cursos bíblicos em suas Igrejas. Não nego isso. O outro compromisso foi um encontro de famílias que se encerrou em uma ceia com muita gente. Falei rapidamente a eles. E ontem, domingo, celebramos, eu e o pastor, no estacionamento da Igreja durante a feira livre que os migrantes fazem a cada domingo.

Não sei o que pensar. De um lado, percebo que não ha interesse em Igreja e religião. O povo continua ligado a uma tradição de devoções, mas não depende de pastores e Igrejas. As pessoas vêm se há comida, se há shows ou algum interesse. Mas, não pela fé e pela Igreja. Nesse sentido, revitalizar essa paróquia parece ser responder a um apelo que a comunidade não fez e não sente necessidade (me parece!!!). Do outro, o mundo que vi aqui é tão desumano e pesado (um shopping em cada rua e um individualismo absoluto) que se a Igreja representar um projeto de humanidade e de convivência mais intercultural e de resgate da dignidade dessas pessoas, vale a pena investir.

Ontem vi uma discussão entre pessoas responsáveis: um grupo de dança asteca vem tocar e dançar no estacionamento da Igreja. E alguém se perguntava o que tinha aquilo a haver com a fé. Por que não dizer que não podem fazer isso?

Insisti com Fred  e ele concordou totalmente: as nossas Igrejas têm uma dívida moral e histórica com os grupos indígenas. Não têm direito de rejeitá-los e se quer se inserir na realidade deles, mexicanos, como negar um lugar para que dancem e festejem sua cultura? Insisti com o pastor que dar apoio a isso é prioritário e ele concordou. Mas sem dúvida, ele vai ter de lidar com outras sensibilidades na comunidade mais tradicional.

Não queria estar na pele do pastor. Começar isso a essa altura da vida, aos 81 anos, é muita coragem. De todo modo, o importante é essa energia de amor e essa disposição de testemunhar o amor divino pelas pessoas. Estamos juntos nisso. Vivo isso no Recife com o grupo de leigos que era acompanhado por Dom Helder. A Igreja do Recife também mudou e nem sempre tudo é fácil, mas temos de ser fiéis ao projeto original e ao que Deus nos inspira como profecia. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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