Queridos irmãos e irmãs,
Em João Pessoa, comecei esse dia, por tomar café junto com a irmã Agostinha, fragilizada e triste com a doença da irmã Maria Letícia, verdadeira irmã e companheira de 40 anos. Lemos o trecho do evangelho lido hoje nas comunidades. A palavra de Jesus: Filhinhos/as, no mundo vocês sempre terão aflições, mas tenham coragem. Eu venci o mundo (João 16, 33) tomou hoje para nós um sentido novo e uma força muito atual.
Como tinha de voltar a Recife para resolver vários problemas antes de viajar a Venezuela e Cuba, nessa quinta de madrugada, fui à rodoviária de João Pessoa tomar o ônibus ao Recife. Como muitas vezes acontece no nordeste, o motorista do taxi entre a casa das irmãs e a rodoviária tinha vocação para confessor. Quis saber tudo de mim, quem sou, de onde vim, onde moro, o que faço, etc, etc... Tudo isso em poucos minutos... E eu que vinha de uma realidade tensa, tive vontade de dizer claramente: não quero falar. Preciso de um momento de silêncio e só aceito diálogo sério e não conversa fútil. De repente, olhei o seu rosto de profissional lutando contra a monotonia de um dia de trabalho igual a mil outros dias, ali sentado, percorrendo sempre as mesmas ruas, na mesma cidade, enfrentando os mesmos problemas de trânsito e vendo as pessoas que sentam ao seu lado, pagam e saem, outros entram, pagam e saem e assim o dia todo. E o Espírito de Deus teve pena de minha fraqueza intelectualóide e me deu na hora um profundo sentimento de com-paixão ou seja solidariedade e eu respondi com carinho e perguntei por ele. E descobri que era ele que desejava falar e o fato de me perguntar quem era, servia apenas como introdução à sua fala de que estava longe da família e que fazia poucos meses voltara de São Paulo depois de tantos anos longe do sertão da Paraíba e que o seu sítio perto da serra do Catolé está seco e suas poucas cabeças de gado estão com fome... Mas e a esposa e a filha?
Estão na cidade, mas ele pouco as vê durante o dia e a noite quando chega cansado, elas vêem novela. Que vida monótona e sem flores e sem ritos. Escutei e ao chegar na rodoviária, inventei que ainda dava mais tempo. Perdi o ônibus das 08, 30 h e peguei o das nove, mas deixei um motorista consolado não pelo que eu tenha falado, mas pelo fato de tê-lo ouvido e lhe dado a esperança de voltar mais cedo e propor um dia, um dia só para estarem juntos na semana e poderem se renovar no amor.
Na viagem de duas horas de ônibus entre João Pessoa e Recife, fui devorando crônicas bem humoradas e deliciosas de Ruben Alves. E me lembro que ele citava o poeta William Blake: "Ver a eternidade em um grão de areia. E um céu em uma flor agreste. Segurar o infinito na palma da sua mão e a eternidade em uma hora...". É a frase com que concluo o meu livro "O amor fecunda o universo" (Ecologia e Espiritualidade). É o que procurei viver hoje.
Deus os/as abençoe e ilumine sempre.
Um abração do mano Marcelo