Hoje, no Vaticano, o papa Francisco reuniu todos os membros da Cúria Romana. Cada ano, esse encontro acontece para rever o ano e a cúria ouvir o que o papa tem a dizer sobre esse Natal. E, segundo os meios de comunicação, o papa foi muito duro em seu discurso aos cardeais e bispos da cúria. Disse que a cúria está doente de "carreirismo", ambiente de fofocas e especificamente de "Alzheimer espiritual". Tentei compreender o que ele teria querido dizer com isso: Por que Alzheimer espiritual? Alzheimer é uma doença que ataca o cérebro, priva as pessoas de memória e afeta a capacidade de raciocínio. Em que sentido a Cúria tem essa doença? Primeiramente me pergunto o que ele diria se conhecesse de perto o ambiente de nossas paróquias e dioceses. Ainda ontem fui a uma festa de Natal que um grupo de leigos e leigas fazem a cada ano para arrecadar presentes para crianças pobres e para valorizar o trabalho de uma sopa que se faz sempre para as pessoas carentes. Onde estava o pároco? Ninguém sabe. Ele não comparece porque brigou com o grupo de leigos. Por que brigou? Por que a única autoridade ali é ele e só ele pode tomar as iniciativas pastorais e sociais.... E ninguém pense que se trata de algum padre velho. Ao contrário, nesse caso, a vítima do Alzheimer espiritual como disse o papa se tiver tem 40 anos. E diante disso, nada se faz e nada se diz.
Qualquer católico comum, hoje, tem dificuldade de ir a uma missa de domingo na maioria das paróquias. Tanto porque a celebração é uma expressão refinada de clericanismo elevado à última potência, quanto porque é difícil suportar o nível de mediocridade e vazio que muitas vezes é comum se ouvir nas homilias repetitivas e chatas. Também sobre isso ninguém fala, ninguém sabe. A não ser o papa que em sua primeira carta "Evangelii Gaudium" diz praticamente isso e em um documento que poderia ter outra finalidade se ocupa durante páginas e páginas de como deveria ser a homilia nas missas.
Provavelmente, o papa percebe que o tal Alzheimer espiritual não é só a Cúria. É de muitos pastores e ministros da nossa Igreja e por obra e graça de mais de 35 anos em que se fez de tudo para apagar a memória viva e criativa do Concílio Vaticano II. Então, esse tipo de Alzheimer é pior, é criminoso, porque é provocado. Não é apenas fruto da idade ou de dificuldades hormonais. É Alzheimer proposital e desejada. O papa comparou com Alzheimer porque eles resolveram ignorar ou esquecer tudo o que de importante e sugestivo o Concílio Vaticano II propôs à Igreja.
Conforme um amigo monge que está nesse momento estudando em Roma, nesses dias, a Congregação do Culto Divino publicou nesses dias um "Diretório para as Homilias". Além de ser um exercício de puro Alzheimer espiritual por desconhecer que, conforme o Concílio, as Igrejas locais deveriam ter autonomia para cuidar disso e ter seus critérios próprios, pelo que percebi, a preocupação maior da Cúria foi ajustar as homilias nos modelos antigos de pregação (tipologia, mistagogia, etc) e não tanto ligar a palavra de Deus com a realidade atual. De tal modo, na situação atual, pode até ser bom e útil provocar, quem sabe, uma maior preparação cultural e teológica por parte de quem deve fazer homilia.
Talvez alguém estranhe que em uma mensagem de Natal, no lugar de dizer coisas só positivas, o papa tenha sido tão realista e crítico. Mas, penso que essa é a espiritualidade do Natal: assumir a nossa pobreza, as palhas do presépio no qual Jesus quis nascer e partir daí para reconhecer sua presença no meio de nós, mesmo pobres e pecadores como somos. Tanto que no seu discurso o papa fez questão de pedir perdão por seus erros e os erros de seus auxiliares mais diretos. É também uma indicação do caminho da conversão e de uma cura do Alzheimer espiritual. Ainda em nossos dias, o mal que atinge o cérebro das pessoas atingidas pela doença física é praticamente incurável. O Alzheimer clerical é curável. O remédio é retomar a simplicidade do evangelho de Jesus e aceitar viver a fé e a espiritualidade em função do projeto divino para o mundo (o reino de Deus) e não em função de si próprios e nem mesmo dos assuntos internos da Igreja. O Natal nos chama a essa conversão.