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Conversa, sexta feira, 06 de fevereiro 2015

Volto contente de Jatobá, no sertão do São Francisco, porque pude ter algum contato com comunidades cristãs de base e pude, penso, ajudar em alguma coisa, essas comunidades a caminhar e a viver a sua vocação profética. Em um mundo como o nosso, em uma realidade tão dura como aquela em que vivem, o próprio fato de existirem já é um sinal do Espírito Divino que suscita vida e amor no mundo.

Minha fragilidade faz com que basta uma noite em um ônibus com ar condicionado e já chego em casa resfriado e com vontade só de deitar. Reajo, mas a luta é difícil.

Hoje, no sul do Brasil se vive a memória de Sepé Tiaraju e os índios guarani mortos no massacre dos exércitos de Portugal e Espanha contra os sete povos das missões. Nessa semana sobre isso, escrevi o seguinte artigo:

Ser índio, hoje, no Brasil 

“Na escuridão da noite, a madrugada silenciosa foi interrompida pelo barulho de tiros. Tudo ocorreu de repente. Mal se viam os vultos dos agressores.  Uns vinham armados com paus, outros com armas de fogo. Gritos e gemidos. Apavoradas, mães buscavam proteger seus filhos. Os encapuçados começaram a atear fogo nas casas de palha. Logo, o fogo se alastrou e as pessoas, desarmadas, corriam para salvar suas vidas. Atrás, ficaram dois mortos e vários feridos. Os invasores tinham dado um aviso. Desapareceram tão de repente quanto tinham surgido”.  Essa não é uma cena escrita para algum filme de faroeste ou de gangster. Foi real. Ocorreu no Assentamento indígena União dos Povos, no bairro Parque das Nações de Manaus, exatamente, na noite do sábado 10 desse mês de janeiro (2015). Assim testemunhou a índia Cairé, da etnia Tupiniquim, uma das vítimas do ataque que matou os irmãos Tayrê da etnia Mura (25 anos) e Rudá da etnia Baré, jovem índio de 29 anos.

Esse acontecimento, trágico e vergonhoso, não mereceu nenhuma coluna em algum jornal. Ninguém se mobilizou em manifestação de solidariedade aos índios agredidos. Só os parentes puderam chorar os seus mortos. De fato, isso ocorreu menos de uma semana depois que a nova Ministra da Motosserra e do Agronegócio declarou enfaticamente que “o problema dos índios é que eles deixam a floresta e vêm ocupar terras produtivas”. Ao contrário, mais uma vez, foi a cidade (no caso, Manaus) que, destruindo a floresta, se expande na direção das terras que sempre foram indígenas. A especulação imobiliária ameaça os índios, agora legitimada pela conivência do Estado, parceiro dos que destroem a natureza e aterrorizam a vida dos povos indígenas.

Atualmente, segundo o Censo de 2010, a população indígena no Brasil é calculada em 734.111 pessoas. Além disso, se tem conhecimento de, ao menos 28 grupos indígenas isolados e sobre os quais ainda não se têm dados completos. No Brasil, os índios pertencem a 220 povos organizados. Falam 180 línguas diferentes. Todos os 27 estados da Federação têm grupos indígenas. Há também uma população de quase 400 mil pessoas (388.298) que se autodeclaram índias e que moram em periferias urbanas. De fato, muitos foram expulsos de suas terras por garimpeiros e pelo latifúndio. Eles ou seus pais fugiram para não morrerem. Alguns ainda escondem que são índios para não perder emprego e não se isolar de vizinhos, em regiões, nas quais o preconceito contra os índios ainda é gritante.

Embora as legislações internacionais e a Constituição brasileira reconheçam os direitos dos índios a suas terras e seu modo de viver próprio, as políticas de governo e os projetos de desenvolvimento não os respeitam. O Estado brasileiro tem uma dívida histórica e moral imensa com os povos ancestrais. A cada ano, no dia 07 de fevereiro, no Rio Grande do Sul, as comunidades lembram a memória de Sepé Tiaraju, cacique guarani que, em 1778, deu a vida pelo seu povo, quando os reinos de Portugal e Espanha se uniram para destruir as missões dos jesuítas com os Guarani. Agora, mais de 200 anos depois, a figura de São Sepé, canonizado pelo povo, ressurge nos mártires indígenas de hoje e em diversos chefes indígenas que arriscam suas vidas para defender os direitos dos povos indígenas e unir as diversas etnias em associações como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). 

Quem tem fé acredita que o Espírito Divino se manifesta na força de resistência e de ressurreição dos pequenos. No Evangelho, Jesus orou: “Eu te agradeço, Pai, porque escondeste os teus segredos dos sábios e entendidos do mundo e os revelaste aos pequeninos” (Mt 11, 25). 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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