Cheguei a Caracas, Venezuela, às 20 horas da quarta feira, depois de praticamente um dia inteiro de viagem, de Recife a São Paulo e de laá a Caracas. Dom Tomás Balduíno que viria comigo não pode vir. Não estava bem de saúde e se poupou. Viajei junto com Olívio Dutra, ex-governador do Rio Grande do Sul e ex-ministro das cidades no governo Lula. Um homem simples e discreto que viaja na classe econômica e munido apenas de uma bolsa. No tempo de ministro, eu o recebi uma vez no mosteiro de Goiás, de forma que me conhecia e tivemos um bom diálogo.
Em Caracas, em cada esquina e rosto que vi percebi a saudade de Chávez, a dor do povo, mas também a decisão de prosseguir o caminho. Pela manhã juntou-se a mim e a Olívio o cantor Chico César, homem simples que veio prestar sua homenagem ao presidente Chávez. Fomos os três para a capela funerária na Academia Militar onde Chávez se formou. Nas ruas uma multidão, gente que passava 12, 14 horas na fila. Há mais de uma semana, dia e noite e as filas sao intermináveis. Como convidados do governo, fomos admitidos na Academia, mas não rompemos a fila. Ficamos lá a manhã toda para no final poder expressar nossa solidariedade. Olívio falou uma mensagem, Chico cantou uma música com seu violão e eu fiz uma oração ecumênica. Todos participaram.
No final da tarde, fomos convidados pela TELESUR (televisão latino-americana da ALBA) para uma entrevista. Com Olívio foi sobre o legado de Chávez para a América Latina. Comigo foi sobre o novo papa argentino. Os telespectadores participavam de casa, inclusive um argentino que defendia o papa contra as acusações de ter sido conivente com a ditadura, enquanto uma mãe da plaza de mayo o acusava. No estúdio eu tinha de tomar uma posição sobre isso. O que falei foi que não conheço pessoalmente Bergoglio e não conheço sua história, mas para mim o problema não é o papa. É a instituição de uma Igreja que acredita que cumpre sua missão através do poder e para ser poder se liga a qualquer tipo de poder. Todo mundo sabe que na Argentina, fora algumas exceções honrosas, o episcopado inteiro ou participou ou ao menos se omitiu como cúmplice da ditadura. Todo mundo sabe que até quando o general Pinochet foi preso na Inglaterra, o Vaticano, através do cardeal Sodano que presidiu esse conclave agora e na época era secretário de estado, fez tudo para libertá-lo e trazê-lo como hóspede de honra e refugiado no Vaticano. O problema é o modelo de Igreja que deve mudar. Os bispos latino-americanos em Medellin propuseram uma Igreja pobre, despojada dos meios de poder e comprometida com os oprimidos e não com os ricos e poderosos (Medellin 5, 15).
Depois concluímos o dia jantando na casa de Marcelo Resende, embaixador da FAO na Venezuela. Um rapaz simpático formado nas comunidades eclesiais de base que me conhecia dos tempos da CPT. Ele me confirmou os dados oficiais da FAO: A Venezuela é o país latino-americano que mais conseguiu diminuir a desigualdade social e superou totalmente a situação de fome que até o final dos anos 90 atingia dois milhões e meio de pessoas. Contou-me a experiência das comunas e das Casas de alimentação popular em que as mulheres pobres de favelas e bairros de periferia cozinham voluntariamente para centenas de pessoas (o governo fornece o alimento) e também falou da rede de mercado popular. Pegou um vidro de azeite na mesa e me disse: aqui no mercado normal eu compro essa garrafa por 120 bolívares. O pessoal da periferia nos mercados do governo (que so vendem para pobres) compram por 12. A esposa dele trabalha na empresa de petróleo. Contou que 50% de toda a renda do petróleo no país é usada para programas de acabar com a pobreza e tornar os pobres protagonistas de sua história e de sua educação. Não é apenas uma bolsa família.
Voltei para o hotel à uma da madrugada (duas e meia do Brasil).