Hoje, na festa da Imaculada Conceição, há 50 anos, 1965, a Igreja Católica encerrava o seu Concílio Vaticano II. E naquele mesmo dia, com a diferença de poucas horas, no mosteiro de Olinda, seis jovens faziam a Deus a promessa de serem monges e eram consagrados para testemunhar a radicalidade do seu batismo e viver isso na busca da unidade. Um desses jovens monges era eu.
Tanto na sociedade, como na Igreja, infelizmente, monge tem uma imagem quase negativa de pessoas fechadas no mosteiro, de uma espiritualidade pouco aberta ao mundo. Monge significa a pessoa que busca a unidade interior e com os outros. Desde que eu era noviço, compreendi que a vocação de ser monge é universal. Todo ser humano recebe de Deus essa vocação de se unificar. Quem é "profissionalmente" monge só pode ser isso como uma profecia para ajudar as pessoas todas a descobrirem em si mesmas essa vocação e poderem vivê-la. Nem sei por que.
Hoje, 50 anos depois, minha ação de graças é principalmente para o acontecimento da renovação da Igreja que o Concílio trouxe e no seio da qual eu consegui viver, do meu jeito mas seja como for, de modo continuado, a promessa que fiz há 50 anos...
Lembro-me sempre que, quando precisei escolher uma frase bíblica para colocar no santinho com o qual se avisava a minha profissão, a frase que escolhi foi: "Pela fé, Abraão partiu, sem saber para onde ia" (Hb 11, 9 ss). Relendo hoje, essa história, fico impressionado como essa frase antecipava esses 50 anos que eu vivi - a fase do mosteiro de Olinda, o tempo de colaboração com Dom Helder e a arquidiocese, o engajamento na pastoral da juventude, os anos pesados de trabalho no Colégio como diretor (sem que eu quisesse nem acreditasse nesse tipo de missão), a ida a Curitiba para ajudar uma pequena comunidade de monges, inserida na pastoral com os lavradores, minha entrada na pastoral da Terra. A ida para Goiás a chamado de Dom Tomás Balduíno, o trabalho no Centro-oeste, minha inserção nos anos 70 e 80 junto aos lavradores e em alguns momentos também junto aos índios, a construção do novo mosteiro de Goiás, projeto de comunidade ecumênica, aberta a homens e mulheres e inserida na teologia da libertação. Agradeço a Deus minha inserção na fundação do CEBI e meu engajamento na pastoral bíblica junto com Carlos Mesters e tanta gente boa que me ensinou e me ensina tanto... Os tempos difíceis do mosteiro de Goiás, a intervenção da congregação, minha renúncia ao cargo de coordenador (prior) e mesmo a morar no mosteiro. A graça de ter sido acolhido pelos dominicanos de Goiânia e por Dom Tomás.... A graça de minha doença e de assim ter vindo para Recife onde estou até agora. E a alegria imensa de poder acompanhar o pequeno grupo de leigos que vem desde a época de Dom Helder e de celebrar sempre que estou no Recife e posso na Igreja das Fronteiras, onde o Dom viveu quase 40 anos e onde entregou sua vida a Deus.... Ainda hoje, celebrarei naquele mesmo altar no qual ele celebrava a eucaristia que para ele era como o centro de cada um dos seus dias e de toda a sua vida.
"Pela fé, Abraão partiu sem saber para onde ia". Nessa festa de Maria, a Igreja nos faz ouvir o evangelho da anunciação. Gosto de ver em Maria a figura e símbolo de toda a comunidade da Igreja. As palavras que ela recebe "cheia de graça, o Senhor está contigo", foram inspiradas em Sofonias 3 e a profecia dizia isso para Israel. Portanto, todos nós podemos receber essas palavras como sendo ditas a cada um/uma de nós. E Maria recebe isso em uma situação deprimente do povo de Israel dominado pelo império. Nós ouvimos isso em meio a uma crise muito grave do mundo e também da realidade política do Brasil. E mesmo sem compreender bem aquilo no qual estava se engajando, ela aceitou e disse sim ("Pela fé, Abraão partiu sem saber para onde ia). Isso é pedido até hoje de nós. Carregar dentro de nós não apenas Jesus como menino nascido no útero da mãe, mas também o reino - a vida nova que ele traz para nós pessoalmente e para o mundo.