Hoje, dia nacional de união e consciência negra, me sinto muito ligado a todos os grupos afro e especialmente às comunidades de Candomblé e Umbanda que em todo o Brasil seguem sua luta para manter suas tradições e ajudar o povo negro a fortalecer sua identidade espiritual. Meu testemunho pessoal é que há exatamente 20 anos (comecei em 1992), tenho tido contatos e até certa inserção com comunidades de Candomblé e outras religiões negras. Não somente devo dizer que nunca vi ou ouvi nada que me afastasse de minha busca íntima de Deus, como, ao contrário, cada vez que participo de um culto ou de um ato junto com irmãos e irmãs dessas tradições, vivo uma experiência verdadeiramente mística. Saio energizado e confortado pela presença do Espirito Divino nessas comunidades e em seus cultos. Tive essa experiência especialmente nas diversas vezes em que em Salvador, participei do Ilê Axé Opô Afonjá - comunidade do Candomblé coordenada pela querida Mãe Stella de Oxossi.
Em homenagem a ela, a Vera (daqui do Recife) e a de tantas irmãs e irmãos que vivem esse caminho, reproduzo aqui o artigo que nessa semana enviei à imprensa:
Negritude e sociedade
As comemorações do 20 de novembro, dia de união e consciência negra e os eventos dessa semana de valorização da negritude são importantes não apenas para as pessoas que se definem como de raça e cultura afrodescendente, mas para toda a sociedade brasileira. Embora em nosso país, toda expressão de racismo seja considerada crime grave e imprescritível, ainda há muito por fazer para retirar da memória cultural dos brasileiros o preconceito e a discriminação racial, heranças da escravidão, abolida oficialmente, mas, na prática, mantida em relações de trabalho injustas e em uma estratificação social rígida e impiedosa. O racismo e a discriminação social não fazem bem a ninguém e não ajudam a criar um mundo mais justo e feliz. Ao contrário, trazem dor e violência tanto para as vítimas da injustiça, quanto para os que a praticam e ainda para os que com esse tipo de prática são coniventes.
O Brasil é um dos países mais negros do mundo. De acordo com o censo de 2010, voluntariamente 50, 7 da população se declarou negra, o que significa mais da metade dos brasileiros. Infelizmente, a maioria desses irmãos e irmãs ainda representa a parte mais empobrecida da população brasileira. Em todo o Brasil, jovens negros são mais vítimas da violência estrutural de cada dia do que qualquer outra faixa da população. A maioria dos assassinatos atinge a população negra. Por isso, são importantes as medidas para integrar e dar igual direito de cidadania social e política aos afrodescendentes.
Há duas décadas, várias cidades brasileiras consagram o 20 de novembro, aniversário do martírio de Zumbi dos Palmares, como feriado municipal e todo o país celebra o dia consagrado à união e consciência negra. Toda essa semana é coroada com eventos sobre a imensa contribuição das raças negras na história e na construção das culturas formadoras do Brasil de hoje.
A Constituição de 1988 garante o direito das comunidades negras e remanescentes de quilombos à posse de suas terras ancestrais e à manutenção de sua cultura própria. Conforme cálculos do governo, existem hoje no Brasil cerca de 2.842 comunidades quilombolas. São verdadeiras repúblicas de homens e mulheres livres, formadas por descendentes de escravos, fugidos do cativeiro e de alguns índios e brancos que decidiram viver solidariamente com eles. Estes quilombos espalham-se por quase todos os estados do país e são símbolos da resistência dos pequenos. Servem de modelos como comunidades verdadeiramente solidárias. Entretanto, ainda faltam leis complementares para por em prática à Constituição que, quando não favorece à elite, é facilmente esquecida. Por outro lado, há iniciativas no Congresso que visam anular o prescrito na Constituição federal e dar poder aos estados de retirar quilombolas e indígenas de suas terras ancestrais.
Todos nós, brasileiros, temos responsabilidade social, junto com o governo, de trabalharmos por um país mais igualitário e justo. A manutenção das religiões ancestrais e de expressões culturais negras, mantidas vivas de geração em geração, têm sido instrumentos importantes para a unidade dessas comunidades e para garantir uma mais profunda consciência da dignidade dos seus membros. Para os cristãos, um valor central que a Bíblia aponta é a consciência da cidadania de todos os seres humanos, como filhos e filhas de Deus e cidadãos do seu reino. Essa revelação divina pode ser encontrada, como valor intuído e praticado nas comunidades afrodescendentes. Paulo escreveu que onde há aspiração e luta pela liberdade, aí está presente e atuante o Espírito Divino (Cf. 2 Cor 3, 16. Que esse aniversário do martírio do Zumbi confirme e reavive em todos nós o caminho de comunhão e partilha!