A cada ano, esta palavra do apóstolo Paulo é proclamada no início da Quaresma. Ela não nos convida a um tempo quaresmal, marcado por devoções e atos penitenciais e sim para a celebração de uma Páscoa nova.
Um olhar realista sobre o Brasil e o mundo, assim como sobre nós mesmos/as pode nos levar ao abatimento e ao desânimo. Põe à prova a nossa fé e ameaça apagar a esperança. O mundo continua dilacerado por conflitos e violências. Estruturalmente, é dominado pelo Capitalismo, a que os índios algonquinos do Canadá chamam de wetico que, em sua língua original, significa “canibal”, porque se alimenta da energia da vida dos outros e da mãe-Terra. Muita gente se encontra no limite da dor. Nunca foi tão verdade o que, em seu tempo, o apóstolo Paulo escreveu aos cristãos e cristãs de Roma: “A criação inteira está gemendo como que em dores de parto. Também nós que temos as primícias do Espírito gememos no mais íntimo de nós mesmos, esperando retomar a condição filial e a libertação de nossos corpos” (Rm 8, 23).
Neste contexto, o exercício mais importante da Quaresma pode não consistir mais em práticas antigas como o jejum, a abstinência e mesmo a oração tradicional. Hoje, o que Deus pede de nós é que mantenhamos a confiança e a paz interior para poder renovar nossa esperança na vida e no futuro do mundo.
As celebrações pascais podem nos confirmar que o Amor Divino vem iluminar o mistério da dor humana e nos acolher em sua própria intimidade. Convido vocês a celebrarmos esta Quaresma e Páscoa de modo a realimentarmos nossa esperança. Deus não nos deixa sós. Inspira-nos a ser criativos e a recriar comunhão, onde for possível.
Em 1975, ao falar do 1º Encontro Intereclesial de Cebs em Vitória, Carlos Mesters comparava as comunidades de base com uma flor frágil que resiste às intempéries. Hoje, se torna um projeto maior do que apenas uma questão pastoral da Igreja retomar as Cebs, como comunidades humanas e ecumênicas de base, assim como reavivar a caminhada eclesial de inserção junto ao povo mais empobrecido. Para isso, há a proposta de atualizarmos ecumenicamente e de forma mais política o Pacto das Catacumbas. Para uma Igreja que, estruturalmente, resiste a ser uma comunhão de amor, refazer pequenos cenáculos de resistência pode ser, talvez, a única chance de verdadeira Sinodalidade. Mesmo se for verdade que as CEBs resistem, hoje, mais como projeto do que na realidade do cotidiano dos espaços eclesiais, elas nos provocam a renovar nosso compromisso de fé e amorosidade, assim como a reinventar nosso modo de pertença comunitária, como rosto novo de eclesialidade.
É urgente reencontrar formas para reavivar os pequenos núcleos, células de comunhão humana. Apesar de sempre frágil, como flor indefesa na aridez do sertão, cada comunidade e grupo de fé é presença do Cristo Ressuscitado e ressuscitando neste mundo votado à morte.
Neste início da Quaresma, precisamos reencontrar os meios para expressar a fé e viver a comunhão de modo que seja popular, mística, mas profundamente libertadora. Como pediam os bispos em Medellín, “comprometida com a libertação de toda humanidade e de cada ser humano, por inteiro” (Med 5, 15). Aceite renovar em você mesmo/a as chamas deste fogo devorador que não pode ser apagado.
Neste início de Quaresma, me vem à mente a palavra de Jesus: “Desejei intensamente comer com vocês esta Páscoa” (Lc 22, 15). Isso me leva a imaginar que poderíamos nos juntar, no tríduo pascal, em algum lugar por aí, irmãos e irmãs, que queiram viver juntos a alegria de uma celebração pascal que nos alimente mais profundamente. É urgente libertar a ceia de Jesus do apartheid clerical em que nossas Igrejas a confinaram. Precisamos acreditar que podemos viver de modo novo o encanto de uma vigília pascal que volte a ser para nós mãe de todas as celebrações da fé e realimente em nós a esperança de uma vida nova e a força de uma missão do Espírito, que nos ressuscita com Jesus. Assim, esta celebração da Páscoa pode se tornar uma festa contínua e permanente. Neste desejo e alegria, abraço cada um/cada uma.
O irmão Marcelo Barros