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Convocação para a caminhada libertadora do martírio

Marcelo Barros

Neste XIII Domingo comum do ano C, o evangelho proposto pelo lecionário é Lucas 9, 51 a 62. Até parece que quem escolheu essa leitura sabia que esse evangelho seria meditado neste momento em que quase chegamos ao mês de julho que, no Brasil, é marcado por várias romarias,  peregrinações e caminhadas comunitárias. No próximo domingo, no Centro-oeste é a festa do Divino Pai Eterno, na cidade de Trindade, Goiás, para a qual acorrem devotos/as das áreas rurais e de cidades. Muitos/as mantêm a tradição e viajam, dias e dias, em caravana de carro de boi, fazendo do próprio itinerário e viagem, permanente aprendizado de espiritualidade solidária e do cuidado.

Ainda nos meados deste mês, companheiros e companheiras das pastorais sociais e grupos da caminhada se reunirão na Romaria dos/das Mártires da Caminhada em Ribeirão-Cascalheira, na memória do nosso profeta Pedro Casaldáliga. Ao mesmo tempo, o grupo de peregrinos e peregrinas do Nordeste viverão mais um tempo de peregrinação. Desta vez, percorrerão a pé as periferias pobres e abandonadas do grande Recife. Depois dos sofrimentos provocados pelas chuvas e inundações, assim como pela incúria do governo, essa será uma peregrinação profética de reanimação das comunidades e da esperança do caminho maior.

De fato, este evangelho parece ter sido pensado para o contexto social e eclesial que vivemos. O quarto evangelho nos ensina que a missão de Jesus se deu em dois tempos: o primeiro, no qual ele deu vários sinais para que as pessoas pudessem aderir a ele e ao seu projeto e o segundo, no qual, chega a sua hora e ele vive aquilo para o qual se preparou. De modo semelhante, o evangelho de Lucas inicia a sua segunda parte com esta perícope que lemos hoje e se inicia dizendo: “Ao se completar o tempo no qual Jesus iria ser arrebatado ou elevado ao céu, ele tomou a firme decisão de caminhar para Jerusalém” (v. 51). (Para dizer que Jesus tomou resolutamente a decisão de partir para Jerusalém, o texto usa um termo que poderíamos comparar com a expressão popular “botou na cabeça”, isso é, ninguém o convenceria do contrário).

Estamos vivendo momentos assim, nos quais é urgente retomar a caminhada e ir diretamente a aquilo para o qual nos preparamos. É preciso ver claro qual deve ser a Jerusalém atual, meta de nossa caminhada. E o evangelho deixa claro: não se trata apenas de um caminho geográfico ou topográfico. É um itinerário espiritual e pedagógico. E isso já se revela nas três cenas que parecem coladas no texto, para nos falar das condições do discipulado e do seguimento de Jesus. Este envia discípulos para preparar sua passagem pela Samaria, mas o próprio fato de estar a caminho de Jerusalém, acarreta a rejeição dos samaritanos. Jesus ensina aos discípulos Tiago e João que, para o seguirem, eles precisam aceitar a rejeição e o fracasso que ocorrem e que o próprio Jesus, naquele momento, estava vivendo. A radicalidade do evangelho nada tem a ver com rigorismo e menos ainda com intolerância e repressão. O espírito tem de ser novo. E aí vêm três casos de vocação que são significativas de muitas situações. De propósito, o evangelho não traz nome de ninguém dessas pessoas que querem entrar no seguimento de Jesus. Trata-se de qualquer pessoa. Uma primeira se apresenta e Jesus responde: “Você não sabe o que está pedindo. A radicalidade do seguimento não é para qualquer um”. Só alguém que é chamado pode dar conta das condições necessárias para viver o seguimento. O segundo é alguém a quem Jesus chama, mas a pessoa quer primeiramente se despedir da família. Aquilo que, conforme conta  o primeiro testamento, Eliseu podia fazer antes de seguir Elias e se tornar profeta, no tempo do evangelho, há uma pressa que, como diz Pedro Casaldáliga em um de seus poemas, é urgência que não permite esperar.

Não se trata de que o seguimento de Jesus seja tão desumano que não permita que um filho se despeça dos pais ou alguém enterre o pai que morreu. O que esse evangelho diz é que a opção de seguir Jesus exige que a pessoa aceite o chamado e responda sim, sem antepor nenhum pretexto ou desculpa. Tem de ser um sim decisivo e imediato, ao qual depois, certamente, Jesus possibilita a liberdade do convívio familiar ou o direito do luto. O que o evangelho insiste é na radicalidade (ir à raiz) do seguimento.

Quando nos anos 80, o evangelho de Lucas contou essa história, o “se despedir da família” e “ir primeiro enterrar o pai” tinha uma tradução e aludia a problemas que a comunidade vivia. Agora, na nossa realidade, significa o que? Que pretextos, aparentemente sérios e razoáveis, usamos para sermos menos radicais e menos livres no exercício da profecia do discipulado e do seguimento? Como unir o espírito de tolerância e paciência de Jesus em relação à rejeição sofrida por parte dos samaritanos que o rejeitaram a essa atitude do mesmo Jesus diante dos discípulos tentados a antepor desculpas ao seu chamado?

Um poeta inglês escreveu um poema que talvez responda a este desafio:

“Quem então concebeu o tormento? Amor

O amor é o nome desconhecido

Daquele que com suas mãos teceu

a intolerável camisa de fogo

Que a força humana não pode remover

E nós vivemos, respiramos,

somente se queimarmos e queimarmos”  (T. S. Elliot). 

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Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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