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Convocação para novo modo de viver a fé e o amor

4º Domingo da Páscoa – Jo 10, 1-10 

 

Convite para novo estilo de vida

 

Neste 4º Domingo da Páscoa, (do  ano A), temos como texto evangélico João 10, 1 – 10. É a primeira parte das palavras nas quais Jesus se coloca como o Pastor que Deus manda para o seu povo. Trata-se de uma discussão de Jesus com os religiosos do templo. Ele não hesita em acusá-los e até os agride verbalmente. Chama-os de ladrões e exploradores do povo. 

Para compreender bem esse evangelho temos de superar duas dificuldades: A primeira é que, na nossa cultura, pastor é figura religiosa. Os pastores são evangélicos ou bispos e padres católicos. Na época de Jesus o termo pastor era usado para indicar o chefe político, o governante.. Jeremias e Ezequiel denunciaram os reis da época como maus pastores que não cuidam das ovelhas e tratam apenas das ovelhas gordas que eles devoram. (Jr 23 e Ez 34). No tempo de Jesus, como o Império Romano oprimia economicamente o povo através do templo, os sacerdotes de Jerusalém e os rabinos das sinagogas eram, ao mesmo tempo,  chefes da religião e chefes políticos, submissos ao império. Então, Jesus os agride ao chamar de ladrões e salteadores. E Jesus se coloca como único pastor que tem direito a entrar no pátio das ovelhas. 

 

Além dessa confusão de linguagem entre a cultura antiga e os dias atuais, é preciso também lembrar a segunda dificuldade: a cultural. Vivemos em um mundo urbano e não temos mais a experiência rural de pastor e ovelhas. Além disso, hoje, ninguém quer se colocar como ovelha de ninguém. A palavra “carneirada” é negativa. A nossa fé deve ser lúcida e crítica. Como falar de Igreja como rebanho e do ministro como pastor? 

 

O que a figura de pastor nos diz é que Jesus se coloca como nosso guia e cuidador. Guardião de nossas vidas. Na época de Jesus, na Palestina, os rebanhos de ovelhas eram principalmente para o comércio de lã e não tanto para a alimentação. Durante o dia, as ovelhas eram soltas no campo. À noite, ovelhas de vários rebanhos e vários proprietários eram guardadas em currais coletivos. Pela manhã, cada pastor abria a porta do aprisco, chamava pelo nome as ovelhas que eram suas e só estas saiam; cada ovelha com o seu pastor. As ovelhas só saíam se ouvissem a voz do seu pastor. Se era um estranho, não reconheciam e ficavam no aprisco. Jesus se serve dessa imagem que ele conhecia no mundo da Judeia do seu tempo. 

 

Neste texto do Evangelho, Jesus fala no pátio do templo e diz que é o pátio do aprisco do qual o pastor deve tirar as ovelhas. Portanto, enfrenta o poder político e religioso. Para isso, usa três imagens: a da porta, a do porteiro e a do pastor. E as três imagens se fundem em uma só. A porta é por onde as ovelhas entram e saem. Assim, Jesus diz que é Ele que nos permite entrar e sair, portanto, viver a liberdade como estilo de vida. Ao dizer isso, critica a religião baseada em leis que prendem e não libertam. Coloca-se como o porteiro, único que tem chave da porta. Só Ele abre a porta, para que as ovelhas entrem e saiam. Esta palavra não é anti-ecumênica. Não nega o valor de outras religiões, como se Jesus tivesse dito que só o Cristianismo salva. O que Jesus afirma é que não adianta se dizer cristão e ficar preso às leis e instituições religiosas opressoras. 

 

 Jesus se coloca como pastor nômade que chama as ovelhas para sair do aprisco. Abre a porta do aprisco, chama cada ovelha pelo nome e vai à frente lhes dando segurança e as conduzindo para onde houver pastagens. Escutar a voz de Jesus e segui-lo é  aceitar ser conduzidos/as por ele para fora dos apriscos, seja quais forem as prisões que ainda nos retêm, sociais, políticas ou religiosas. Se não for para sair e ser livre, é sinal de que a voz que nos chama não é a de Jesus, Pastor. Ele diz: “Eu vim para que todos/as tenham vida e vida em abundância, em plenitude, ou como dizem os índios: o bem-viver. Jesus não fundou nenhuma instituição religiosa. Propõe um caminho: estilo de vida e esse é caminhar juntos – para o que produz bem-viver. 

 

Hoje, este Evangelho nos revela a natureza do poder, quando dominador. Isso se pode aplicar à maioria dos governos do mundo. Mas, Jesus se coloca como Pastor diante dos religiosos que, indiferentes ao mundo dos pobres, pensam só em seus interesses e no caso de grupos católicos, na idolatria do poder divinizado e do Deus da lei, ao qual obedecem.

Para Jesus, nenhuma hierarquia é sagrada como poder e se existe, tem de ser serviço amoroso. De acordo com o 4º Evangelho, Jesus ressuscitado, antes de confirmar Pedro, na sua missão de cuidador dos seus irmãos e irmãs, pergunta três vezes: Simão, filho de João, tu me amas? Tu me amas mais do que esses outros? Então, sim, apascenta as minhas ovelhas.  

 

Nas comunidades de matriz africana e também nas espiritualidades indígenas, a função da Yalorixá, mãe de Santo, ou do Pai, assim como do Pajé e Xamã é importante e sagrada. No entanto, Mãe Stella de Oxossi confirmava que muitos dos ritos e privilégios hierárquicos foram copiados do tempo da escravidão. Negros e negras deveriam cumprir diante da senhora de engenho branca e dos seus proprietários. De onde vêm os ritos que, durante a Missa, fazem os acólitos se colocarem de joelhos aos pés do pontífice para sustentar o Missal, para que este leia as orações? Não terá sido do evangelho, nem do convívio de Jesus com seus discípulos e discípulas. 

 

Atualmente, o papa Francisco propõe a Sinodalidade como modo normal de ser da Igreja. Isso significa manter e até acentuar a ministerialidade como serviço, mas não a hierarquia como poder sagrado. Falar em sinodalidade e manter o princípio hierárquico é como falar em roda quadrada. É preciso romper este modelo e foi o que Jesus fez em sua polêmica contra os sacerdotes do templo. Jesus veio para trazer vida no próprio reinado da morte. Veio realizar o que dizia o Cântico dos Cânticos: “Vem, minha amada. O inverno já passou. As flores já nascem nos campos, a rolinha está cantando. É tempo de amar” (Ct 2, 11- 13).

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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