Cuidar da Vida como morada divina
Nessa festa, atualmente, o evangelho proposto é João 2, 13- 22. Trata-se da cena na qual Jesus vai a Jerusalém e, no átrio do templo, expulsa os vendedores de animais para os sacrifícios e derruba a mesa dos cambistas.
Os outros evangelhos colocam esse acontecimento quase no final dos evangelhos, antes dos relatos da Paixão e Ressurreição de Jesus, na última semana de Jesus em Jerusalém, poucos dias antes da paixão. O quarto evangelho menciona que Jesus participou de, ao menos três festas pascais em Jerusalém e situa esse episódio logo no início da sua atividade pública.
O texto começa afirmando que “estava próxima a Páscoa dos judaítas”, isso é, dos judeus, colaboradores do império. O evangelho a diferencia da Páscoa do Senhor e conta que Jesus vai ao templo. Conforme o estudioso alemão Joaquim Jeremias, na época da festa, a população da cidade triplicava. Chegava a 180 mil pessoas e como, na época, a prescrição era que os cordeiros pascais fossem imolados pelos sacerdotes no templo, o movimento de pessoas no átrio do templo era imenso. Entre funcionários do santuário, peregrinos e todos os vendedores de animais, provavelmente eram milhares de pessoas. A tradição mandava que os animais fossem vendidos em uma colina próxima. No entanto, provavelmente, para facilitar o movimento e simplificar as coisas, os sacerdotes autorizavam a venda de animais para os sacrifícios no próprio átrio do templo. O texto de João distingue o átrio (no grego hierón) do próprio santuário (naós, em grego). Os vendedores e cambistas ficavam no átrio (pátio) e não no santuário propriamente dito. Ali também ficavam os cambistas. No templo, não podia entrar nenhuma imagem ou representação humana. Como as moedas estrangeiras tinham imagens de reis e príncipes, deviam ser trocadas pelas moedas judaicas que não tinham imagem. Conforme a tradição, como todo judeu fiel, Jesus fazia sua peregrinação ao templo ao menos uma vez por ano, na Páscoa. Portanto, estava habituado a ver aquilo. Em qualquer templo antigo, era normal o movimento dos vendedores de sacrifícios, como até hoje, nos santuários católicos de romaria, é normal o comércio de objetos sagrados no pátio do santuário, assim como o movimento dos que pagam promessas e trazem ex-votos.
Isso torna mais estranha e desconcertante a atitude de Jesus. Parece ter sido algo preparado, já que ele fez um chicote de cordas e entrou com isso no átrio do templo, embora fosse proibido entrar ali com qualquer tipo de arma. O verbo que o evangelho emprega é o mesmo usado para afirmar que ele expulsava o demônio (exebalen, em grego): exorcizou..., expulsou...
É difícil imaginar a cena. Para, sozinho, expulsar aquela multidão de vendedores, soltar os animais de suas gaiolas e derrubar as mesas dos cambistas, precisava de muita força e coragem. Com um chicote nas mãos, ele agrediu aqueles homens, talvez mais de cem e sem falar nos bois, ovelhas e pombas que ele soltou e tangeu para longe. Derrubou as mesas dos cambistas. Imaginem as moedas espalhadas pelo chão. Como eles podiam reagir? A única fala de Jesus que o evangelho reproduz é dirigida aos vendedores de pombas, que se destinavam aos sacrifícios dos pobres que não podiam pagar um boi ou ovelha. A esses, Jesus diz: “Tirem isso daqui. Não transformem a casa do meu Pai em casa de comércio (em grego: emporiou)”.
O texto se refere a duas reações diferentes:
1ª) a dos discípulos que se lembraram do salmo: “o zelo da tua casa me devora” (Sl 69, 10).
2ª ) a dos funcionários do templo (judaítas) que o interrogam: “Que sinal você nos mostra para agir assim?” .
Ambos interpretaram o gesto de Jesus de forma errada. Os discípulos julgaram que Jesus cumpria a profecia de purificar o templo, que tinha sido desvirtuado. Compreenderam errado. Se fosse para purificar o templo, Jesus teria legitimado os sacrifícios e os impostos pagos ao templo. Mas, ele se posicionou contra isso.
Por sua vez, os religiosos do templo pensaram que, provavelmente, Jesus agiu contra o templo por este ter sido reconstruído pelo rei Herodes, que nem era judeu. Também se enganaram. Esses últimos exigem uma prova de que ele, Jesus, é profeta e fazia aquele gesto em nome de Deus. Jesus responde enigmaticamente: “Destruam esse santuário – (naós) e eu o reerguerei em três dias”.
Os judaítas lembraram que Herodes tinha levado 46 anos para construir aquele templo. Como Jesus poderia reconstruí-lo em três dias?
De acordo com os evangelhos sinóticos, mais tarde, quando Jesus foi preso, os sacerdotes o acusaram a Pilatos, afirmando que ele teria dito: “Destruirei esse santuário e em três dias, o reerguerei”(Mt 26, 61 e Mc 14, 57). No entanto, era uma acusação falsa. Jesus nunca disse que ele destruiria o templo. O que ele disse foi: “- Podem destruí-lo, vocês, que eu o reerguerei”.
O evangelho comenta: “ele falava do templo do seu corpo. Quando ele foi reerguido de entre os mortos, os discípulos se lembraram disso e creram no que está escrito (na Bíblia) e na sua Palavra.”
O evangelho usa para a ressurreição o mesmo verbo que Jesus usou ao prometer reerguer o templo em três dias: reerguer-se dos mortos.
Meditar esse evangelho na festa de consagração de um templo parece indicar que a Igreja continua interpretando esse texto como se Jesus tivesse querido purificar o santuário. Ao contrário, a profecia de Jesus é que o templo como lugar de sacrifícios está superado e que Deus quer morar em nós. O Evangelho diz que o Cristo Ressuscitado é o verdadeiro templo no qual Deus mora e nós somos, como o Cristo, moradias vivas de sua presença. Infelizmente até hoje, nas Igrejas, fala-se dos templos como “casas de Deus” e a espiritualidade sacrificial está em alta. Até a ceia de Jesus é interpretada como sacrifício oferecido ao Pai. Essa visão sacrificial, mesmo se espiritualiza o sacrifício e deixa claro que Deus nos salva gratuitamente, acaba sempre por legitimar que o Pai acolhe a morte do Filho como dom oferecido a Ele. Não há como manter essa visão espiritual e não aceitar que alguma violência possa ser necessária. No tempo da condenação de Jesus, o sumo-sacerdote Caifas afirmou: “é melhor que um só homem morra pelo povo do que deixar que a nação inteira pereça” (Jo 11, 50- 52).
Neste ano de 2025, esta celebração da dedicação da Igreja de Latrão em Roma coincide com esse domingo no qual o Brasil acolhe as delegações estrangeiras e chefes de Estado de todo o mundo para, nessa semana, realizar, em Belém a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30). Nesse cenário de um mundo devastado por mais de 50 guerras e no qual as catástrofes ambientais são cada vez mais frequentes e mais violentas, a humanidade é chamada a transformar o seu modo de ver a Mãe Terra e transfigurar as relações humanas, sociais e ecològicas. As culturas indígenas e negras nos convidam a ver todo o universo como sagrado e a própria Vida de todas as pessoas, sem exceção, e de todos os seres vivos como santuário divino no mundo.
Tudo está interligado
Cirineu Kuhn
TUDO ESTÁ INTERLIGADO
COMO SE FÔSSEMOS UM
TUDO ESTÁ INTERLIGADO
NESTA CASA COMUM
O cuidado com as flores do jardim,
com as matas, os rios e mananciais
O cuidado com o ar e os biomas
com a terra e com os animais
O cuidado com o ser em gestação
co´as crianças um amor especial
O cuidado com doentes e idosos
pelos pobres, opção preferencial
A luta pelo pão de cada dia,
por trabalho, saúde e educação
A luta pra livrar-se do egoísmo
e a luta contra toda corrupção
O esforço contra o mal do consumismo
a busca da verdade e do bem
Valer-se do tempo de descanso,
da beleza deste mundo e do além
O diálogo na escola e na família
entre povos, culturas, religiões
Os saberes da ciência, da política,
da fé, da economia em comunhão
O cuidado pelo eu e pelo tu
pela nossa ecologia integral
O cultivo do amor de São Francisco
feito solidariedade universal.
