Desafios da Eucaristia hoje
Na festa de Corpus Christi de 1967, eu era jovem monge e fui participar e até ajudar a missa que o arcebispo Dom Helder Camara celebraria na Concatedral no centro do Recife. Ao chegar na sacristia da Igreja, poucos minutos antes da missa, alguém me falou que o arcebispo parecia doente ou não estava se sentindo bem. Ele parecia visivelmente abatido. Um dos padres foi lhe perguntar se precisava de alguma coisa. A surpresa foi o arcebispo falar em voz alta, para todos que estavam ali escutarem:
- Sim, eu estou angustiado, porque vou repetir as palavras de Jesus na última ceia. Depois dessa missa, vamos sair pelas ruas da cidade em procissão com a hóstia consagrada. Vamos ver muitas pessoas se ajoelhando e se prostrando diante da reserva eucarística. No entanto, essas mesmas pessoas que adoram o Cristo no ostensório dourado, ignoram totalmente a multidão de crianças e adultos, abandonados à própria sorte pelas ruas, jogados como se fossem lixo. O que significa adorar o Cristo, presente na hóstia, se não se reconhece a presença do Cristo nos irmãos abandonados e vitimas da pobreza injusta de nossa sociedade?.
Alguém lembrou o refrão de um dos cânticos de uma antiga Campanha da Fraternidade;
“O pão da vida, a comunhão,
Nos une a Cristo e aos irmãos.
E nos ensina a abrir as mãos
Para partir, repartir o pão”...
A quem estranha que seja assim, pode-se responder que o cântico veio da Campanha da Fraternidade e de uma visão de Igreja do pós-concílio no Brasil. O rito eucarístico atual na missa, não. O modo como os fiéis recebem, hoje, a comunhão eucarística evoluiu em relação a outras épocas. Já não há mais véu para as mulheres e a maioria não se ajoelha mais para receber a comunhão e nem estende a língua para receber a hóstia. No entanto, mesmo com essas mudanças, a comunhão eucarística ainda não expressa o caráter de assembleia e koinonia (comunhão participativa e igualitária) que seria o espírito da comunhão que esse canto expressa.
Em nossos tempos, mais de 50 anos depois do Concílio Vaticano II, seria importante criar em nossas comunidades uma nova cultura com relação a isso. O que está por trás dessa preocupação não é apenas uma questão de modismo, ou mesmo de uma mera estratégia pastoral – ou metodológica – de agradar aos fieis mais jovens e mais críticos. É muito mais importante. Trata-se de ser coerente com um dos princípios fundamentais do Concilio Vaticano II: cada comunidade, ao reunir-se para celebrar, deve manifestar plenamente o seu caráter de Igreja.
O que significa isso? A celebração da Eucaristia deveria ser sinal (sacramento) do modo de ser e de agir da Igreja: assembleia do povo de Deus reunido na unidade divina, na comunhão do Cristo e pela força do Espírito. Cada comunidade pode concretizar isso do seu modo, no seu estilo, de acordo com a sua realidade cultural e sua vocação própria.
No século III, o imperador Diocleciano avisou a uma comunidade cristã de Abilene, no norte da África. que não os perseguiria e eles não seriam condenados à morte se desistissem de celebrar a eucaristia nas vigílias do domingo. Eles responderam ao imperador com uma carta que está transcrita até hoje nos documentos da Patrística: “Sem a eucaristia dominical, não podemos viver”.
No século XIII, São Francisco de Assis em carta endereçada a toda a sua ordem, chamou a Eucaristia de “a humildade de Deus”. Ali, ele dizia que a humildade de Deus deve tornar humildes aqueles que a celebram e deve ser força e esperança para os humildes da terra (Enzo Bianchi, p. 138). “Crer no Cristo presente na eucaristia e amar o próximo em cada pessoa humana é uma mesma e idêntica operação” (Maurice Bellet citado por Bianchi, 154).