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Descobrir Jesus de modo novo nas travessias do deserto

XVIII Domingo comum:  Jo 6, 24- 35. 

Nas travessias do deserto, nova descoberta de Jesus

                   Neste XVIII Domingo, o lecionário propõe que continuemos a leitura do capítulo 6 do evangelho de João. Neste domingo, lemos João 6, 24 a 35. No domingo passado, lemos o texto no qual Jesus alimenta a multidão. Depois disso, o povo quer fazê-lo rei. Ao perceber isso, Jesus se afasta e se refugia na montanha para orar, do mesmo modo que, conforme o livro do Êxodo, Moisés tinha feito, ao ver o povo hebreu adorar o bezerro de ouro. Também para Jesus, escolher a monarquia tinha algo de idolátrico. 

Ao subir a montanha, Jesus se distancia do povo, mas também dos discípulos e estes, sem Jesus, tomam a barca para atravessar o lago. No trecho que lemos hoje, o povo o procura “do outro lado do mar”. Esse povo do outro lado do mar é a massa da humanidade que não está na religião e não pertence a nenhuma sinagoga ou Igreja. 

De acordo com o evangelho, a primeira descoberta do povo foi que Jesus não estava na barca dos discípulos. Isso se dá até hoje. Nem sempre Jesus está na barca das pessoas e comunidades que se dizem discípulas, mas não agem como discípulas. As Igrejas que deveriam ser instrumentos para que as pessoas encontrem Jesus não ajudam. Conforme o texto, Jesus não estava na barca dos discípulos e ninguém sabe como chegou “do outro lado do mar”. Ele vai além das fronteiras do seu país, da sua cultura e das Igrejas. Até hoje, há livros de teólogos discutindo como Jesus pode estar do outro lado, isso é, como Jesus está com quem não é cristão e parece não estar na barca dos que usam o seu nome para causas com as quais ele não concorda. 

Nesse evangelho, o povo o encontrou “para além do mar”, no deserto. Jesus pode estar onde ninguém o espera. Quantas pessoas que não conseguem descobrir Jesus em paróquias tradicionais, podem contemplá-lo presente em movimentos sociais que não falam nele e nas relações que, aparentemente, não são valorizadas pela religião. 

Hoje, algumas Igrejas e religiões armam verdadeiro circo para atrair pessoas. O evangelho insiste: Jesus se encontra no deserto. Assim, este texto evangélico mostra um desencontro profundo entre o tipo de procura que as pessoas vivem e a verdadeira forma de buscar que Jesus propõe. O texto afirma que muita gente quer segui-lo, apenas porque comeu dos pães e ficou satisfeita. Interpreta-se erradamente essa palavra, se se opõe o alimento espiritual ao material. Não é correto afirmar que Jesus não veio para satisfazer as necessidades materiais. A cultura semita de Jesus não faz divisão entre o que é material e o espiritual. 

O evangelho não divide material e espiritual e sim o imediato e o plano mais profundo da Vida. O imediato é a busca interesseira. Há gente que busca Jesus para conseguir dinheiro, casa, saúde e outras coisas, de forma que não vai além do interesse egoísta e imediato. É a religião de resultados. É a teologia da prosperidade, a teologia do domínio. 

Há grupos e pessoas religiosas que fazem de Jesus tapa-buraco de suas carências psicológicas, necessidades morais e religiosas. Fecham Jesus na gaiola da lei, na rubrica dos ritos, ou na mera repetição de costumes. Isso se torna pior, quando se trata da ambição do poder. Foi o que ocorreu com os discípulos, dos quais Jesus se afastou naquela ocasião. Estavam atrás de cargos que poderiam obter, por estar do lado de Jesus. Até hoje, há clérigos mais interessados no poder sagrado que pensam receber de Deus do que no projeto divino que Jesus propõe. 

Quando o evangelho diz que as pessoas não compreenderam o sinal que Jesus havia feito, talvez esteja se referindo aos cristãos do final do século I. Aquela comunidade joanina não era como o antigo povo de Deus no deserto do Êxodo. Não podia mais esperar de Jesus só que ele distribuísse pão e alimentasse a todos. Para aquela comunidade, como para as Igrejas de hoje, o perigo maior é o de não entender a ceia de Jesus como sinal que aponta para mais além. Tanto na comunidade joanina que escreveu esse evangelho, como nas Igrejas de hoje, o perigo é ficar no sacramentalismo. Assim, se faz da eucaristia um ato idolátrico. Por isso, o evangelho insiste que Jesus se afastou dos discípulos e nem aceitou entrar na barca deles, porque não pode aceitar que quisessem fazê-lo rei. Mas, não é isso que até hoje, ao falarem de Cristo Rei, muitas Igrejas e comunidades fazem? 

Até hoje, muitos grupos continuam a fazer a pergunta daquelas pessoas que encontraram Jesus em Cafarnaum: 

O que devemos fazer para realizar as obras de Deus?”. 

Entendem obras de Deus como atos religiosos. Jesus responde: Deus só pede de vocês que creiam no Filho, isso é, sejam capazes de aderir à manifestação de Deus na pessoa de Jesus e acolher o seu projeto de VIDA. Nesse sentido, Jesus é o pão da vida. Vida com V maiúsculo. Vida plena. O que atualmente os povos indígenas estão chamando “o bem-viver” e o evangelho chamará de “vida em plenitude”.  Ele nos chama para uma espiritualidade da VIDA. É a luta pela vida de todos e a defesa de tudo o que leva a mais vida que faz de nós discípulos e discípulas da proposta de Jesus e de sua pessoa. É isso que torna a vida toda eucarística, isso é, ação de graças e comunhão. 

 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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