Do batismo das águas ao mergulho no Espírito
As comunidades pentecostais têm razão: não basta o batismo nas águas. É preciso ser batizados/as no Espírito. É isso que lemos hoje no evangelho desse 2º domingo comum do ano A: Jo 1, 19- 24. Essa era a preocupação da comunidade cristã que, no final do século I, escreveu esse texto: Não basta o rito do batismo nas águas. É preciso mergulhar no Espírito e isso, continua o texto, só Jesus pode fazer conosco.
Atualmente, não temos mais essas controvérsias próprias do final do primeiro século entre comunidades cristãs e grupos que se consideravam discípulos de João Batista. No entanto, temos ainda muita gente que, em todas as Igrejas cristãs, colocam a segurança de sua fé nas leis, nas estruturas e nos ritos. A esses, o João Batista do quarto evangelho confessa: Eu não o conhecia... (v 33). Alguém pode perguntar como João podia dizer que não conhecia Jesus, se os outros evangelhos colocam João e Jesus como parentes (primos) e se mesmo antes no quarto evangelho, João já havia dado testemunho do Cristo (1, 19- 28)? Em sua versão do evangelho de João, André Chouraqui traduz essa palavra de João Batista por: eu não havia penetrado no conhecimento mais profundo de sua pessoa. Antes, João havia dito aos mensageiros dos fariseus: entre vocês, há alguém que vocês não conhecem (v 26). Esse novo conhecimento, João só adquire quando vê o sopro divino descer e pousar sobre Jesus. Só a experiência íntima e profunda que é íntima e pessoal, possibilita uma visão nova e nos faz mergulhar no Espírito. Essa experiência não se faz por ritos, ou leis. Tanto é assim que o quarto evangelho é o único que não se preocupa em contar o batismo de Jesus. Fala só do testemunho de João Batista sobre o fato de que viu o Espírito descer sobre Jesus. O importante não é o rito. É nos abrir ao Espírito.
Para João, o ponto de partida foi reconhecer em Jesus o Cordeiro de Deus. Desde o prólogo que o evangelho procura ler a vinda de Jesus à luz do livro do Êxodo. Agora apresenta Jesus como o novo cordeiro pascal que, como o servo sofredor apresentado pelo profeta Isaías (52, 13- 53, 12), carrega em seus ombros o pecado estrutural do mundo, do sistema social e não apenas os pecados das pessoas. No Judaísmo do templo, todos os dias, os sacerdotes sacrificavam a Deus um cordeiro pelos pecados do povo. Agora, (que não havia mais templo em Jerusalém), Jesus se preocupa não com os pecados individuais (morais) e sim com a estrutura iníqua da sociedade (o pecado do mundo) e é dessa servidão que ele vem nos tirar, nos libertar. Vejo essa passagem do quarto evangelho, quase como equivalente à passagem de Lucas na qual na sinagoga de Nazaré, Jesus anuncia a sua missão pública: O Espírito de Deus vem sobre mim e me manda curar os doentes, soltar os cativos e libertar os oprimidos (Lc 4, 16- 21).
Isso significa que o verdadeiro batismo do Espírito Santo é quando aceitamos mergulhar no projeto divino da libertação. O batismo do Espírito é quando nos inserimos nas lutas pela libertação social e política dos trabalhadores, dos índios, das comunidades negras, etc e vivemos isso como experiência do Espírito, ou seja, descobrimos Deus presente e se revelando a nós nessa caminhada. Em El Salvador, nos anos 80, o padre Ignacio Ellacuría, um dos jesuítas que depois foi assassinado na Universidade (UCA), afirmou: Através de Monsenhor Romero, Deus passou por El Salvador. O que ele quis dizer foi que pela sua ação de defesa da vida dos pobres e perseguidos pela ditadura daquele país, Deus se manifestou presente. Monsenhor Romero fez o que João Batista disse no Jordão: Eu vi o Espírito descer sobre ele e permanecer.
Esse evangelho de hoje nos chama a unir essas duas dimensões da fé: o jeito afetivo, emocional, (hoje podemos dizer: pentecostal) e a dimensão revolucionária, sócio-político transformadora. É o Espírito que Jesus partilha conosco, que nos faz poder dizer, como Paulo: “Já não sou eu que vivo. É Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20).