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Dois modelos de fé e devoção

XXX Domingo comum C: Lc 18, 9- 14.

Um dos fenômenos que mais chama a atenção nas Igrejas cristãs hoje é o gosto de não poucos padres e pastores jovens por paramentos suntuosos e dourados, cheios de símbolos barrocos e anjinhos barrigudos. Nas Igrejas, um dos setores que mais agrada a muitos religiosos jovens é a liturgia bem ordenada e com ritos hieráticos. Uma Igreja neopentecostal reconstrói um imaginado templo de Salomão e os seus pastores se vestem de rabinos. Ao mesmo tempo, o tipo de Judaísmo que desenvolvem é o Judaísmo do templo e do sagrado sacerdotal e não do Judaísmo profético. Não refazem o sacrifício de animais, mas, reatualizam a religião de  sacrifício através da rigidez do sistema de dízimos que garante o esplendor do templo e a riqueza pessoal do pastor. Do mesmo modo, em alguns santuários da Igreja Católica, se fazem permanentes campanhas financeiras de captação de dinheiro e se constroem novos sinos milionários.

Ao contrário disso, as comunidades cristãs populares e as pastorais sociais sabem que a base da fé e da relação com Deus é o compromisso com a Justiça e a solidariedade. Celebrações da caminhada partem do princípio que, como dizia Santo Irineu, “a glória de Deus é a vida das pessoas”. Oscar Romero dizia: “é a libertação das pessoas oprimidas”.

Neste XXX Domingo comum do ano, o evangelho proposto é Lucas 18, 9- 14 que continua a conversa de Jesus sobre a oração. No texto lido no domingo passado, Jesus propunha orar sempre sem desanimar. Agora conta uma parábola para explicar o próprio espírito da oração.

Jesus não comenta as palavras que cada um usa na oração. O que lhe interessa é o espírito anterior à oração. Para Jesus, o determinante é que “alguns confiavam na própria justiça e desprezavam os outros”. Para esse tipo de pessoas, Jesus conta uma história. E a história tem dois protagonistas, conhecidos nossos: o fariseu e o publicano. Lucas já tinha apresentado a um e a outro. O fariseu era exemplo de alguém religioso. Já o publicano, cobrador de impostos, era pouco honesto e pessoa de vida duvidosa. De fato, o fariseu era mesmo uma pessoa boa, respeitadora da lei e da justiça. De acordo com os critérios da religião, era realmente crente de vida exemplar. Sem dúvida, tinha toda razão em se sentir melhor do que a maioria das outras pessoas. E ele diz isso na sua oração: sou fiel, cumpro as leis, jejuo...

As palavras usadas pelo fariseu em sua oração retoma expressões do livro dos Salmos e de outros livros da Bíblia. É uma prece bonita, sincera e corresponde à verdade. Quando ele diz: jejuo duas vezes por semana, jejua mesmo... Isso lhe dá o direito de dizer: eu não sou como esses outros... E  não era mesmo. A oração do fariseu é profundamente bíblica. Quem duvidar disso, compare as palavras usadas pelo fariseu e a oração do belo salmo 26 (25), v. 4- 5 e também a oração do santo Jó (Jó 29, 12- 17). 

Aquele fariseu da parábola de Jesus era um homem santo. Parecia com algumas pessoas das nossas paróquias e capelas que, no momento da oração dos fieis, oram: “Pelas pessoas que ainda não descobriram a luz da verdade (está subentendido: não são como nós), para que se convertam e sejam iluminadas pelo Espírito...”. Essa é a oração sincera de toda pessoa religiosa e era a do fariseu: “Eu te dou graças por não ser como os outros. Não sou como esse publicano”.

O problema é que Jesus toma o partido menos religioso e menos devoto. Opõe este jeito de orar do homem piedoso ao modo do publicano. O cobrador de impostos se mantém à distância e nem ousa levantar os olhos ao céu. Bate no peito e diz:  “Senhor, tem piedade de mim, pecador”.

Jesus não comenta as palavras nem o conteúdo das orações. Diz simplesmente que o publicano voltou da oração justificado, enquanto o fariseu, não, porque, conclui Jesus: “pois toda pessoa que se exalta será humilhada e toda pessoa que se humilha será exaltada”.

Neste domingo, alguns padres e pastores pregam sobre a humildade e a modéstia, mas não é isso que está em questão. O assunto aqui é mais estruturalmente de fé, ou seja, como nos relacionamos com Deus, se vivemos a relação com Deus como intimidade gratuita de amor ou se nos colocamos como se fosse em uma corrida ou concurso para ganhar méritos. Antes ao contar as parábolas do pastor em busca da ovelha perdida, da mulher que perdeu a moeda ou a história do pai e dos dois filhos, Jesus tinha criticado claramente os fariseus e religiosos do templo. Agora, ele conta essa parábola para todos nós. Para mim e para você. Todos/as nós vivemos esse tipo de crença religiosa e de devoção.

Jesus já tinha dito que para Deus a justiça da lei, ou seja, a religião não tem nenhum valor, se é tomada como direito adquirido (merecimento) e privilégio em relação aos outros. Deus subverte a lógica religiosa e justifica o pecador e não quem se acha com direito perante Deus. Nós somos salvos não pela justiça da lei e sim pela graça divina.

Atualmente, no mundo, há políticos que tentam ganhar votos nas eleições dizendo: eu sou o candidato da religião e o outro não é cristão. Não é de Igreja. Hoje, o fariseu não reza mais no templo de Jerusalém e sim em santuários onde possa cortejar eleitores. O fariseu antigo era sincero e vivia mesmo o que dizia na oração. O político que se finge de religioso, não. Caricatura a fé e o culto, em qualquer Igreja que seja.

O verdadeiro evangelho de Jesus nos interpela: é preciso superar a religião que nos ensina a ganhar créditos junto a Deus, como se houvesse um banco de méritos ou uma caderneta de poupanças no céu. É preciso passarmos da religião ritual e legal para a fé profética e gratuita do amor divino. 

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Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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