Pessoas que não morrem
Na Bíblia, o mais belo dos cânticos diz que “o amor é mais forte do que a morte”. Tomas Borge, ex-ministro da Nicarágua, conta que, quando, na juventude, lutava contra a ditadura, foi preso junto com outros companheiros em um porão. Um dia, o carcereiro chegou com um sorriso nos lábios e, para abater o ânimo dos combatentes, afirmou:
- Carlos Fonseca, o comandante de vocês, foi morto”.
Imediatamente, Tomás Borge respondeu em voz alta:
- Carlos Fonseca é dos homens que não morrem nunca.
É claro que ele não se referia à morte física, mas ao desaparecimento da sua figura e missão. Essa palavra sobre homens que nunca morrem pode ser aplicada a Dom Tomás Balduíno, bispo emérito de Goiás e presidente honorário das pastorais sociais e padrinho dos movimentos sociais de trabalhadores rurais e índios.
Ontem, celebramos com saudade o sétimo aniversário de sua partida. Para mim, mais do que um amigo de quase 30 anos, foi um mestre e mesmo um pai que me acolheu em sua casa duas vezes na vida e com o qual eu me aconselhava e ele me pedia assessoria até a última vez que nos encontramos um mês antes de sua partida na Páscoa daquele ano. Até hoje, o exemplo de pastor e servidor dos mais pobres que Dom Tomás viveu continua a nos orientar e nos animar.
A importância de Dom Tomás para as Igrejas cristãs inseridas no meio do povo, para o povo brasileiro e especialmente para os índios nos recorda um dos pais da Igreja dos pobres na América Latina. Bartolomeu de las Casas foi como Dom Tomás, um frade dominicano e bispo. No século XVI, foi o primeiro bispo de Chiapas, no sul do México e o primeiro defensor dos índios e teólogo da dignidade dos povos indígenas na luta contra a escravidão e contra o colonialismo.
Sobre Tomás Balduíno, muitos aspectos de sua profecia podem ser ressaltados. A sua consagração aos mais pobres, a sua vitalidade física e espiritual, mesmo até quase o momento da partida e outros elementos que o faziam admirável. No entanto, certamente, a profecia mais aberta a todos é a sua mensagem de que a fé e a espiritualidade só têm sentido quando se alicerçam na luta pela justiça e pela libertação de todos.
Nesses dias de tanta turbulência social e política no Brasil, a profecia viva de Dom Tomás grita para nós: na posição social e política que vocês tomarem, pensem que Deus pede a vocês de defenderem a justiça para todos. Não se esqueçam que Deus vê a realidade sempre a partir dos mais empobrecidos e carentes. É a partir dos interesses dos pequeninos que Jesus se colocará do lado de vocês ou mesmo contra o projeto político que vocês defendem.
Nos seus últimos anos de sua vida, Dom Tomás estava convencido de que temos de pensar a realidade brasileira integrada na caminhada de toda a América Latina como a “pátria grande” sonhada pelos libertadores Simon Bolívar e José Marti. Como, nos anos 60, já predizia Dom Helder: “o caminho da justiça para a América Latina passa pelo bolivarianismo”.
Através de mim, Dom Tomás se aproximou e se tornou amigo do presidente Hugo Chávez. No final da década passada, duas vezes, eu o acompanhei em visita à Venezuela. Ali, ele apoiava a libertação do império norte-americano, a integração do nosso continente em uma comunidade de países irmãos e, principalmente, uma organização social e econômica que garanta mais justiça e igualdade social.
Ao celebrar esse aniversário de sua páscoa, seja esse o nosso testemunho: Dom Tomás é para nós todos um mestre nessa palavra do evangelho: “Procurem realizar no mundo o projeto divino (o reino de Deus) e tudo o mais lhes será dado por acréscimo”. (Mt 6, 33).