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​Domingo da Ressureição do Senhor

Marcelo Barros

Jo 20, 1-9

“Este é o dia que o Senhor fez para nós, nele exultemos e nos alegremos, aleluia!” (Sl 118). 

 

Nessa manhã do Domingo da Ressurreição, a Igreja propõe como leitura evangélica o relato de Jo 20, 1 -9. O capítulo 20 de João que primitivamente era o último capítulo deste evangelho contém quatro relatos ou quatro cenas, as duas primeiras se passam diante do sepulcro e duas últimas em uma casa que representa a Igreja doméstica, a casa em que discípulos e discípulas se reúnem. Todas as quatro cenas se passam no domingo. As duas primeiras cenas na madrugada do domingo da ressurreição e diante do túmulo vazio de Jesus, no escuro, ainda antes do sol nascer. Dom Helder Camara dizia que quanto mais escura fosse a madrugada, mais luminosa seria a aurora. O nosso texto diz que Maria Madalena foi ao túmulo e viu que a pedra - lápide que fechava a sepultura - tinha sido removida. O sepulcro, com tudo o que ele significa de escuridão, decepção e fracasso que este lugar evoca, estava vazio.   

Se puderem, leiam de novo esse texto do evangelho e observem os verbos de movimento, de caminhada. Quase em cada verso se diz: No primeiro verso diz que Maria Madalena vai, de madrugada, caminhando no escuro para  o sepulcro de Jesus. Vê que a pedra tinha sido removida e sai correndo e vai encontrar Pedro. Pedro e o discípulo amado saem e vão ao túmulo. Os dois correm juntos. O discípulo amado corre mais depressa (verso 4), entram no túmulo, veem as coisas e voltam... 

Em poucos versos, vão, correm, caminham, encontram, veem e voltam... E nós... Será que estamos dispostos nós também a fazer este mesmo percurso. Caminhar no escuro, arriscar ir até o túmulo que está vazio, nos encontrar, dizer uns aos outros que a morte não tem mais vez e o sepulcro está vazio, a pedra foi removida, ir juntos, voltar....  

Hoje, somos convidados/as a nos unir ao espanto de Maria Madalena. Ela vê o túmulo vazio, mas não crê. Vai procurar Pedro e o discípulo preferido por Jesus e diz a eles: "Tiraram o Senhor do túmulo e não sabemos onde o colocaram". O plural que ela usa (não sabemos onde o colocaram) revela que ela representa um grupo da comunidade. É a partir desta realidade que os diversos personagens representativos dos grupos que compõem a comunidade vão se expressar. Pedro e o discípulo preferido vão ao túmulo. Um caminha mas é mais pesado. O outro corre e chega primeiro, mas espera o irmão. Pedro vê que o túmulo está vazio, vê os lençois dobrados, mas não crê. É o discípulo amado que vê o túmulo vazio e crê. Maria Madalena só crerá quando o próprio Cristo Ressuscitado lhe aparecer e a chamar pelo nome: Maria! 

Deus aceita estes diversos estágios de fé.  O evangelho explica que eles ainda não tinham compreendido a Escritura, conforme a qual Jesus devia ressuscitar. É uma mensagem para nós: precisamos aprender a ler a Escritura de modo a descobrir nela que Deus reinverte a realidade do mundo, subverte as decisões dos poderosos e mostra que a morte está vencida. 

 De acordo com o evangelho, todos encontram o túmulo vazio. O discípulo amado, ou seja, os cristãos mais místicos chegam primeiro ao túmulo, mas respeitam os outros e esperam uns pelos outros. No entanto, é esse grupo do discípulo amado que vê e crê (Pedro vê, mas ainda hesita). E entretanto, quem encontra o Ressuscitado é Maria no jardim, como a mulher no Cântico dos Cânticos busca e reencontra o Amado. É a mulher que por primeiro descobre o Ressuscitado e o anuncia a seus irmãos. 

Em nossos dias, quem está vivendo essa caminhada para o túmulo vazio são as pessoas e grupos que insistem em não morrer. Mesmo perseguidos, continuam apostando na vida e na caminhada da libertação. Como cantava Emicida retomando a música de Belchior:

“Tenho sangrado demais

Tenho chorado pra cachorro

Ano passado eu morri

Mas esse ano eu não morro”.

Há uma semana, ao celebrar o Domingo de Ramos, nosso irmão, em sua homilia, o padre Júlio Lancelotti denunciou a covardia da Prefeitura de São Paulo contra a população de rua que se multiplica como em campo de refugiados no centro de São Paulo e em todas as nossas cidades. São eles e elas hoje que fazem essa procissão da madrugada e por sua resistência testemunham a ressurreição, mesmo sem saberem, mesmo sem terem essa consciência, mas por sua resistência e teimosia em viver em uma sociedade que os/as condena à invisibilidade e à morte. 

Neste mês de abril, representantes dos povos originários retomam em Brasília o acampamento Terra Livre e contra o governo que determinou o extermínio deles dançam, cantam e gritam por ressurreição e vida. 

Para nós, esta Páscoa nova de 2022 não pode só ser celebrada no recinto das nossas Igrejas e através de Liturgias. É preciso proclamá-la por nosso apoio e solidariedade à luta dos povos originários, das populações de rua e de todas as pessoas e grupos ameaçados de morte e na caminhada de resistência.  

Assim, como, na Bíblia, simbolicamente, Adão e Eva, o primeiro homem e a primeira mulher no paraíso representam o início da humanidade, este evangelho da ressurreição mostra o Cristo Ressuscitado e Maria como o novo casal deste mundo novo que começa. Somos, então, nesta manhã do Domingo da Ressurreição, convidados/as a contemplar os sinais desta aurora nova do mundo, no cuidado com a natureza, criação ameaçada de tantas formas pelo mesmo pecado do mundo que provocou a cruz de Jesus. Somos convidados/as a testemunhar e participar da Páscoa libertadora que Deus inspira e dirige nos povos oprimidos do mundo atual. 

Um teólogo luterano (Bonhoeffer) dizia que o Cristo ressuscitado é o Cristo em forma de comunidade. Depende de cada um de nós que nossa comunidade viva esta Páscoa como comunidade renovada e cuja vida é para os de fora e manifesta que Deus atua nos outros. Este foi o mergulho que Jesus fez na realidade do seu mundo. Este é o sentido do batismo (mergulho) que renovamos nesta noite de Páscoa. Esse evangelho nos dá a alegria de nos recolocar nessa caminhada na madrugada, que retoma um novo recomeço da criação – um novo primeiro dia da semana – e refaz dentro de nós a ânsia alegre dessa procura. 

Se nos acomodamos nas nossas crenças e certezas, não seremos companheiros desses irmãos que se arriscam em caminhar na madrugada na procura do Bem-amado. Refaçamos em nós mesmos e nos outros esse ardor da procura e nos deixemos tocar pelos sinais da ressurreição, mesmo em um mundo no qual não faltam sinais de morte, mas podemos sim descobrir os lençóis dobrados no túmulo vazio e, quem sabe, um jardineiro pobre nos encontre e como disse o nome de Maria, diga o teu e o meu nome e nós possamos reconhecê-lo: Raboni, Meu Mestre. 

Apesar de tudo, o Cristo ressuscitou, feliz Páscoa para vocês, aleluia.

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Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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