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E o golpe também pegou a Igreja

E o golpe também pegou a Igreja

                      As mais recentes notícias sobre a Bolívia nos entristecem, por causa do terrível golpe de Estado e da realidade triste que ele significa de racismo e de fechamento das elites com relação a qualquer governo que tente administrar o país para a maioria do povo. Por outro lado, o mais triste é constatar que os dirigentes da Igreja Católica na Bolívia se declaram favoráveis ao golpe. 

      Em sua declaração, os bispos negam que tenha havido golpe, mas não explicam como se derruba um presidente constitucionalmente eleito sem golpe. Deixam claro que a primeira preocupação é a defesa da propriedade e só depois falam na vida das pessoas. Convocam as forças armadas para cumprir essa função constitucional, sem nada dizer do fato de que se elas tivessem cumprido sua função nesses dias, não teria acontecido o que aconteceu. Nenhuma palavra sobre a violência e os crimes cometidos pela oposição que provocou o golpe. Nenhuma alusão à realidade dos povos indígenas, maioria da população boliviana que o presidente Evo Morales representava.  E aludem claramente à possiblidade de novas eleições.   

Qualquer pessoa de bom senso que leia a declaração da Conferência dos Bispos Bolivianos  diante do atual Golpe de Estado poderá se fazer várias perguntas. A primeira é a que Igreja esses bispos pertencem: a do papa Francisco ou a que insiste em se manter no modelo de Cristandade, graças aos núncios de cada país que garantem a nomeação de bispos, à imagem e semelhança de um Vaticano que boicota o papa? Os mesmos bispos que nunca se pronunciaram contra as ditaduras militares do passado e os governos corruptos que tomaram conta do país até o século XXI, de repente, sempre que podem mostram sua inaceitação de um governo que não prestigiou mais o poder eclesiástico dos bispos e se declarava sempre pela valorização das espiritualidades dos povos originários. Provavelmente esses bispos não quiseram ler o Instrumento de Trabalho do Sínodo da Amazônia, nem prestaram atenção às palavras do papa Francisco colocando a valorização das culturas originárias como missão da Igreja. Será que não percebem que, por trás da rejeição a Evo Morales (com todos os defeitos e limitações que seu governo possa ter) o que está por trás é o racismo e o ódio contra o processo que na Bolívia, desde o primeiro governo do MAS, tem se chamado de Revolução Indígena? Por acaso, algum desses bispos pode afirmar que algum dos líderes da oposição ao governo agora derrubado tem a mesma preocupação ética e a mesma solidariedade ao povo pobre que o governo de Evo Morales, com todos os seus defeitos, demonstrou? 

Outra questão é se esses bispos representam de fato a Igreja Católica da Bolívia ou sinalizam um fosso entre a cúpula e as bases?   De um lado, é triste constatar que dificilmente os bispos se pronunciariam de forma tão clara pelo golpe e contra o processo constitucional da Revolução Indígena se a maioria dos padres e diáconos das dioceses tivessem posição contrária. Sabemos que a Pastoral das Culturas que corresponde ao que aqui no Brasil seria o CIMI e a CPT juntos e os/as companheiros/as da Pastoral Bíblica das diversas regiões da Bolívia sempre têm apoiado as iniciativas do governo e quando podiam colaboravam com ele. No entanto, a declaração dos bispos revela um fosso entre os bispos e muitas bases das comunidades e mesmo entre os bispos e os/as responsáveis leigos ou padres das pastorais sociais. 

Provavelmente o que está por trás dessa declaração é o velho instinto eclesiástico de se posicionar sempre pela elite e à direita. É o mesmo tom e conteúdo das declarações dos bispos da Venezuela e também do Equador quando este ainda se movia nos caminhos da Revolução Cidadã. 

Essa declaração revela que nenhum desses bispos, alguns dos quais têm suas Igrejas na região panamazônica, devem ter assinado o Pacto de compromisso com os pobres renovado pelos bispos e missionários nas Catcumbas de Domitila em 20 de outubro de 2019.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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