Efrata, Abre-te!
Nesse 23º domingo do tempo comum, continuamos a leitura de Marcos. E esse evangelho nos mostra Jesus, como sempre itinerante, passando em uma região estrangeira e que os judeus religiosos consideravam pagã e impura. Jesus vai além de todas as fronteiras e nos chama para encontra-lo para além das fronteiras que nos limitam. Ali, como vimos no evangelho do domingo passado, Jesus abole o código religioso da pureza ritual e legal. Nada do que é humano é impuro para Deus. Pena que até hoje, muitos ministros e fieis cristãos ainda não compreenderam isso e continuam a dividir as pessoas em puras e impuras. E dão um testemunho de Deus como se ele amasse os que o amam e odiasse e perseguisse os que não o aceitam.
O evangelho mostra Jesus curando um surdo-mudo que é trazido à sua presença (Mc 7, 31- 37). O surdo-mudo é uma pessoa que não pode se comunicar. Pode ir até Jesus, mas não pode dizer o que quer. Jesus se comunica com ele por um contato corporal que os judeus consideravam para além do que a lei permite. Ele usa saliva que para os judeus já é considerada impura. Toca nos ouvidos do homem, toca na língua, eleva os olhos, suspira (parece que faz algo que lhe custa) e ordena: abre-te. O evangelho dá tanta importância que mantém a palavra em aramaico, a língua da Galileia: Efrata.
É como se Jesus dissesse: Destrava o teu ser, Sai da prisão interior na qual estás limitado/a. Abre-te.
Pessoalmente, leio esse evangelho e o escuto como um apelo a que eu vá além da compreensão de fé religiosa na qual muitos ministros e fieis de minha Igreja ainda se deixam limitar. Jesus chama para transpor essa fronteira, abrir-se ao diferente, abrir-se ao desconhecido e se colocar como o papa Francisco diz: Igreja em saída, ou seja, para fora, no mundo, social, político e cultural de hoje.
Nesses dias, foi uma imensa alegria estar junto com teólogos e teólogas de várias gerações (mais velhos e mais novos) de toda a América Latina. Pude testemunhar a abertura de todos ao cultural (o mais ecumênico possível), ao social (sempre partir dos pobres e em função dos empobrecidos). Quanto à dimensão política da nossa ação e de nosso compromisso, pessoalmente, eu creio que se traduziria em apoiar uma política de integração continental, de libertação de todos os colonialismos e de caminho em direção a um novo socialismo. O governo que tiver esse programa e tentar cumpri-lo conta com o meu apoio, mesmo se sempre com um apoio crítico e que tenta ir além. No entanto, nesse campo, percebo que mesmo nos meios da teologia mais aberta, há muitas reticências e muita prudência que eu considero pouco profética (os profetas devem ousar, arriscar, se inserir...). Dom Oscar Romero gritava do púlpito: “Façamos ao menos o que podemos. Mas, o importante é que façamos”.
No Brasil, nesses dias, estamos vivendo um fato novo. Independentemente do que possamos pensar do tal atentado sofrido por Jair Bolsonaro em plena campanha, o fato é que com isso ele tem ganhado um tempo de televisão que nenhum dos outros candidatos tem e já declarou que está impossibilitado de ir aos debates na televisão, o que certamente o faria perder eleitores, já que ele não consegue discutir nada e menos ainda apresentar um programa político que não seja baseado no ódio e na violência. Lembro que ele se diz evangélico e é apoiado por grupos que se dizem evangélicos. Seria urgente que as Igrejas evangélicas dissessem que ninguém que prega a violência e propõe como solução uma guerra civil que mate pelo menos 30 mil brasileiros pode representar o evangelho.
Ontem, no Recife, durante a abertura do Grito dos Excluídos, me pediram para dar uma bênção inicial à caminhada. Chamei no microfone ministros/as e representantes de diversas religiões que ali estavam presentes. E privilegiei o pai Alexandre l’Omi, sacerdote da religião da Jurema Sagrada, um culto que vem dos índios dessa região e que foi unida aos cultos de terreiro (afrodescentes). Pedi que ele invocasse para todos/as os/as presentes as bênçãos dos encantados que moram na Jurema e através deles a bênção do Espírito de Amor que vive em todos nós e no universo. E o pessoal completou isso com a oração do Pai Nosso que todos cantaram de mãos dadas. Eu só concluí: Tudo isso nos confirma: Deus quer mudar esse mundo e nos chama para testemunhar isso e colaborar com isso. Deus não é de direita. É de esquerda....
O apelo do evangelho de hoje (Abre-te) se dirige a cada um de nós que mesmo abertos/as, ainda temos em nosso próprio ser como zonas escuras e fechadas que precisamos abrir e que possam ouvir o apelo de Jesus: Efrata. Esse mesmo apelo nos interpela como comunidade de fé e como povo... Somos chamados a nos abrir, cada vez mais, sempre mais, em todas as dimensões, até atingir a plenitude da abertura do amor divino.