Páscoa da Santa Virgem Maria: Lc 1, 39- 56.
Em Maria, contemplamos nosso processo pascal
No Brasil, nesse domingo, a Igreja Católica celebra a assunção de Maria. Quem procura viver a ecumenicidade da fé cristã lamenta que a Assunção de Maria ao céu tenha sido transformado em dogma, apesar de não ser bíblico e muito menos ecumênico. Além disso, em nossos dias, falar de que alguém subiu ao céu em corpo e alma é linguagem incompreensível para a maior parte da humanidade. É importante irmos além da linguagem tradicional e descobrir a mensagem contida nesta festa da páscoa de Maria.
Os evangelhos não contam nada a respeito de como Maria morreu. Baseada em contos da tradição, as Igrejas orientais celebram em agosto a “dormição” da Virgem Maria. A partir da reforma litúrgica do Vaticano II, a Igreja ocidental proclama nessa festa o texto evangélico de Lucas 1, 39 – 56, relato da visita de Maria a Isabel e o seu cântico.
De acordo com esse relato, assim que soube pelo anjo que iria ser mãe do Messias, Maria saiu apressadamente e subiu de Nazaré na Galileia a uma aldeia na montanha da Judeia para servir a Isabel, sua prima anciã que tinha engravidado. Essa subida de Maria à montanha da Judeia para ir à casa de Isabel, ajudá-la em sua gravidez mostra que quando nos dispomos a servir, sempre nos elevamos. Sempre subimos. E isso é um processo pessoal e coletivo.
Nos meados do século XX, o padre Theillard de Chardin falava em passar da biosfera para noosfera (a esfera da interiorização) e afirmava que todo o universo evolui e converge. E essa convergência é na linha da cristificação para Deus. Como escreve Paulo aos coríntios: “até que Cristo seja tudo em todos”.
Na carta aos romanos, Paulo escreve: “A criação inteira sofre como em dores de parto e mesmo nós que temos as primícias do Espírito gememos dentro de nós mesmos esperando a libertação do nosso corpo” (Rm 8, 22- 23). É bela essa imagem do parto da criação e parto permanente de cada um/uma de nós. Jesus também usou essa imagem, quando, na ceia, afirmou aos discípulos: “A mulher quando está para dar a luz sofre porque vê chegada a sua hora, mas na hora em que a criança nasce se alegra porque pôs no mundo uma vida nova” (Jo 16, 22).
Vivemos continuamente esse processo de ressurreição pessoal e comunitária, coletiva e até cósmica. É disso que se trata. E esse processo de evolução ou de amadurecimento interior não é somente algo no íntimo de cada pesosa. Toma formas também no corpo e em todo o estilo de vida. Esse processo é o desafio de todos os processos revolucionários.
Quem, nos ambientes políticos, lida com ambições pessoais e rivalidades de cada dia, mesmo nos grupos nossos de caráter revolucionário, sabe que isso é empecilho sério para qualquer caminho mais profundo de mudanças no mundo. Por isso, é importante aprofundar uma espiritualidade laical, humana. Na construção política, é fundamental que se garanta Ética e coerência de posturas, no plano social e no nível interior e pessoal.
Nas celebrações da assunção de Maria, a primeira leitura é tirada do Apocalipse 12. Mostra no céu a figura de uma mulher grávida, com a lua debaixo dos pés e coroada com doze estrelas. O povo cristão sempre viu nessa figura simbólica a imagem da nova humanidade representada pela comunidade messiânica. Assim como essa Mulher, a humanidade está grávida do ser humano novo. E o Messias (Cristo) é imagem e modelo desse ser humano novo que emerge em cada um de nós, mas também nas estruturas desse mundo novo pelo qual lutamos. No Apocalipse, a mulher que aparece grávida no céu tem um inimigo. O dragão quer devorar a criança, assim que ela nascer. A mulher dá a luz e foge ao deserto, amparada pela Terra.
Celebrar a vitória de Maria, mãe de Jesus é um jeito de dizer que nossa luta social, política, ecológica e espiritual começa a ser vitoriosa. Cantar hoje o cântico de Maria pode parecer utópico e irreal. O cântico diz que Deus derruba os poderosos dos seus tronos e levanta os pequeninos. Enche de bens os famintos e despede os ricos sem nada. No entanto, não é isso que vemos acontecer no mundo. De fato, nós cantamos como se já estivesse acontecendo algo que, de fato, ainda estamos preparando. No entanto, é importante crermos que essa subversão da realidade é o projeto divino e que devemos ir ensaiando isso em nossas vidas e nas nossas comunidades. Estas devem ser como sementes deste processo. Esse projeto é o núcleo central de nossa fé. Por isso, nos comprometemos e vamos ensaiando esse projeto no nosso dia a dia.