Certamente, a história da tempestade (Mateus 14, 22- 36) tem um fundo histórico. Até hoje, o lago da Galileia é famoso por suas fortes e terríveis tempestades. Em uma delas, os discípulos de Jesus correram um grande risco e nela, o evangelho de Mateus viu um sinal forte da intervenção salvadora de Deus através de Jesus. Talvez, a base dessa narrativa tenha sido um relato de aparição do Senhor Ressuscitado. De todo modo, a história de Jesus vindo de madrugada, andando sobre as águas para salvar os discípulos na barca é uma parábola bonita sobre como Jesus se manifesta mesmo em meio às tempestades das nossas noites.
Quem lê, hoje, esse relato, estranha que Jesus tenha obrigado os discípulos a subir na barca para o outro lado do Mar da Galiléia. Há até quem desconfie que Jesus fez de propósito para os discípulos sofrerem a tempestade no lago. Não podemos imaginar Jesus uma pessoa sádica que quer mostrar seus poderes à custa do sofrimento e medo dos discípulos. Pelo contexto, Mateus deixa a entender que Herodes achava que Jesus era João Batista ressuscitado e isso significava que a qualquer momento ele decidiria matar Jesus também. A gente já viu que Jesus estava no deserto como clandestino. Ele queria se esconder dos poderosos. O episódio da repartição dos pães que a comunidade de Mateus tinha acabado de contar, tornou a estadia de Jesus ali naquele território mais insegura e perigosa. Era difícil se esconder em um lugar no qual ele tinha sido visto por tanta gente. E as pessoas contavam a repartição dos pães que eles viam como um milagre. Contando o mesmo fato, o Evangelho de João conta que o povo queria se apoderar de Jesus e fazê-lo rei. Ele teve de fugir para a montanha (Cf. Jo 6, 15). Fica claro que havia um problema político: um contexto de subversão compreendida pelos poderosos da terra. Jesus percebe o perigo e “força” os discípulos a fugirem para o outro lado do mar que era jurisdição do tetrarca Filipe que já vimos tratar-se de um homem mais calmo e pacífico. E ele mesmo, sozinho, sobe à montanha para orar.
Na maioria das vezes, fomos educados a pensar em Deus no silêncio, na paz e associar a presença de Deus à claridade e à beleza de uma natureza tranquila. De fato, comumente, não pensamos Deus presente nas tempestades da vida e na escuridão de nossas noites do espírito. Essa palavra do evangelho revela que Jesus traz a presença divina para o coração de nossas angústias, de nossos medos e nossas noites escuras.
É claro que a
barca é símbolo da comunidade cristã (Cf. 8, 24) e o fato da comunidade de
Mateus contar a história falando três vezes em “medo”, “angústia” e “pavor”,
mostra a realidade da comunidade. A cena de Pedro se sentindo afundar no
caminho entre a barca e a figura de Jesus que o chamava também é símbolo de que
a insegurança e o afundamento no mar do mundo pode atingir até aquele que
representa a comunidade.