Festa de Pentecostes: Jo 20, 19- 23.
Nos caracóis da vida, o sopro do Amor Divino
Conforme o livro dos Atos dos Apóstolos, foi no dia de Pentecostes, 50 dias depois do Domingo da Ressurreição, que os discípulos e discípulas de Jesus, reunidos em oração, receberam o fruto mais profundo da Páscoa: a manifestação do Espírito Santo, a ventania do Amor Divino sobre todo o universo (Cf. At 2)
O livro do Êxodo conta que, na montanha do Sinai, Deus se manifestou em meio a raios e trovões. Conforme o livro dos Atos dos Apóstolos, naquele novo Pentecostes, o sinal do Espírito foi o aparecimento como em “línguas de fogo”, para revelar que o primeiro dom do Espírito é a comunicação entre nós.
Conforme o relato que escutamos como primeira leitura nas celebrações deste dia, diante do que estava acontecendo, juntou-se muita gente, pessoas fieis ao Judaísmo, oriundas de diversas nacionalidades e vindas de diversas nações. Os apóstolos falavam em aramaico e cada pessoa os escutava falar, no idioma de sua cultura. De fato, diz o texto: “todos escutavam os apóstolos e os compreendiam como se eles estivessem falando a língua de cada um”. Em geral, sofremos mais pelos desentendimentos que temos no dia a dia, com pessoas que falam a mesma língua do que pela dificuldade da comunicação em outros idiomas. É o Espírito Santo que nos dá a graça de nos compreender. Faz conosco o contrário de Babel (Gen 11). Lá, o propósito dominador e imperial (Babel era Babilônia) levou à divisão e à destruição. Em Pentecostes, o Espírito suscita unidade e a construção de nova comunhão. O Espírito Santo nos inspira na linha da decolonização. Ao contrário do imperialismo, o Espírito suscita abertura a todas as culturas.
O evangelho dessa festa (João 20, 19- 23) já foi meditado no 2º Domingo da Páscoa e é retomado hoje porque, de acordo com o quarto evangelho, Cruz, Páscoa e Pentecostes é compõem um processo indissociável. O evangelho diz que, Jesus na cruz, entregou o seu Espírito e conta que na tarde do domingo da Ressurreição, o Cristo Ressuscitado soprou sobre os discípulos e as discípulas reunidos/as e lhes deu o Espírito Santo. Conforme o evangelho de João, o Espírito Santo se manifestou sobre a comunidade dos discípulos e das discípulas de Jesus em uma casa onde estavam reunidos(as). Foi em uma casa comum e não no templo, nem na sinagoga. O evangelho diz que aquelas pessoas estavam ali reunidas, de portas fechadas, de forma clandestina, mesmo com medo, estavam reunidas. A manifestação do Espírito sobre a comunidade dos discípulos e discípulas foi o começo de um movimento novo e subversivo em relação à religião vigente e ao sistema político dominante. Como, na época do Concílio Vaticano II (1962 a 1965), propunha o papa João XXIII: devemos pedir a graça de um novo Pentecostes para escutar e publicar o que o Espírito diz hoje às Igrejas e ao mundo (Ap 2, 7).
O Evangelho (João 20, 19- 23) nos diz que o dom do Espírito é consequência da ressurreição de Jesus. O Ressuscitado nos dá a paz, nos devolve a alegria, nos confirma o perdão de Deus e pede que sejamos testemunhas do perdão divino. Jesus Ressuscitado diz à comunidade: “A quem vocês ligarem o pecado será ligado e de quem desligarem será desligado”. Ao dizer isso, não admite a possibilidade da comunidade não perdoar. Temos sempre de perdoar a todos e a todas. O que Ele diz é que o Espírito de Deus dá à comunidade a capacidade de “ligar e desligar”, isto é, responsabilizar as pessoas pelo pecado ou declará-las livres daquela responsabilidade. O perdão é gratuito, mas é preciso refazer o que foi destruído. Trata-se do perdão na linha da justiça restaurativa que hoje, no Brasil, é a proposta da Pastoral Carcerária.
A sociedade em que vivemos exclui a maioria das pessoas e privilegia uma pequena elite. Como seria importante que acolhêssemos o dom do Espírito nesse novo Pentecostes como inspiração para nos organizarmos de forma autônoma, comunitária e responsável socialmente, ecologicamente e perante as futuras gerações.
Conforme o costume da Igreja, nesse dia, começamos a celebração de Pentecostes, com um salmo cujo refrão é inspirado no livro da Sabedoria: "O Espírito do Senhor, o universo todo encheu, tudo abarca em seu saber, tudo enlaça em seu amor, aleluia, aleluia" (Sb 1, 7). Conforme a exegese mais profunda, nos textos bíblicos mais antigos, o termo hebraico Ruah, Espírito, era a atmosfera que nos cerca. Corresponde ao que os povos andinos chamam de Pacha-Mama, a Mãe Terra (e a palavra Ruah em hebraico é feminina). É importante reverenciarmos Deus como essa grande Mãe, representada na Mãe-Terra, nas Águas originárias da Vida e nos ministérios das mulheres, nossas queridas irmãs, nas comunidades, nasnossas casas e na sociedade. É essa dimensão feminina de Deus que nos abre ao sentido do Axé das comunidades de matriz africana.
Podemos afirmar sem medo de errar que a Ruah Divina corresponde ao que, na Laudato Si (Louvado Sejas!), encíclica publicada na festa de Pentecostes de 2015, o papa Francisco chama de “Ecologia Integral”, presença divina no universo e que nos chama como energia amorosa ao cuidado e à unidade de toda a comunidade da vida.
Prece do povo Tupi-Guarani
Oh Tupã, A voz de Teu espírito,
pode ser ouvida nos quatro cantos da Terra.
Levada pela força dos ventos,
toca o interior de nossas almas.
Como o Trovão que ecoa no tempo furioso
e o raio que ilumina a escuridão de uma noite sem lua,
guia nossos destinos pelas trilhas da vida justa. (...)
Assim, Oh! Grande Espírito,
como Amanacy nos envia sua bendita chuva
para molhar a terra sedenta de água,
derrama sobre nós as tuas bênçãos
para que nossos espíritos sejam banhados
pela chuva sagrada de Teu eterno amor.