Nesse domingo, o evangelho lido nas comunidades (Marcos 9, 30- 37) mostra Jesus caminhando para Jerusalém com o pequeno grupo dos doze. Eles atravessam a Galileia, mas ele não queria que ninguém soubesse. E ensinava aos discípulos que aquele era o caminho para a cruz e ele tentava lhes dizer o que significaria para ele a cruz (O Filho do Homem vai ser entregue aos inimigos e o matarão. Morto, depois de três dias, ressuscitará). O evangelho insiste que o grupo não compreendia nada do que ele dizia, mas tinham medo de perguntar.
A proposta radical de Jesus no seu caminho para a cruz é realmente exigente. Foi para os doze que a escutaram . Parece que mesmo eles nunca conseguiram realmente aceita-la totalmente, embora depois da ressurreição, tenham testemunhado o Cristo ressuscitado e isso já tenha sido maravilhoso. É ainda para nós um desafio imenso (para mim e para vocês, assim como é para todos os cristãos, especialmente para os ministros da Igreja hoje).
É com essa consciência de que só pela graça conseguimos seguir Jesus nesse caminho que tento ler para a realidade atual esse evangelho. Já tive de me convencer que o caminho da cruz não é a via sacra que eu fazia na capela das irmãs de Camaragibe quando era pequeno. Não é apenas ou principalmente um ato cultual, (católico faz sinal da cruz para começar cada oração, mas o que realmente significa isso. Qual a consequência?). Também não é um ascetismo religioso como cheguei a pensar quando era jovem monge em Olinda. É sim um modo de viver, um jeito de viver a fé. É uma opção social e política que até hoje para mim é exigente e às vezes me coloca em luta comigo mesmo, quando eu tendo à desesperança e a achar que nada tem jeito. O chamado de Jesus para Jerusalém me faz retomar a missão de mudar a sociedade, me inserir de novo e cada vez mais nos movimentos sociais. Faz-me aceitar as contradições minhas e dos companheiros e voltar a crer que um mundo novo é possível, seja como for e mesmo contra todas as aparências do que hoje vejo nessa sociedade dominante.
A tradução da palavra de Jesus “Vamos a Jerusalém e o Filho do Homem vai ser morto” é a opção social e política concreta de resistência aos poderes ( no caso de Jesus foi ao poder político e ao poder religioso) e um chamado de fé na transformação do mundo, ou seja, em uma possível revolução social e política que engravide uma sociedade nova.
No contexto social do evangelho, parece que a proposta de Jesus continha a exigência do que hoje chamamos de “caminho da não violência ativa”. Se Jesus não queria que ninguém soubesse que ele iria para Jerusalém é porque não queria chegar lá na capital e na sede do poder com um movimento popular (armado ou não) que se baseasse na força popular. Por que? Não era estratégico? Não era o momento? Não sei responder. Suspeito que o caminho da cruz tenha de ser sempre a opção do que não tem poder e resiste a partir de baixo e da fraqueza. O contrário de propostas políticas na base da violência e da força como hoje escutamos nessa campanha eleitoral.
Talvez nessa sociedade em que a solidariedade chega a ser considerada crime passível de punição (os italianos estão vivendo isso ao se solidarizar com os refugiados e migrantes clandestinos), a única forma de viver a proposta de Jesus seja a desobediência civil e a resistência não violenta. Isso se traduz no testemunho claro e visível de que não cederemos à cultura do ódio e da intolerância. Não deixaremos de dialogar e aceitaremos ser incompreendidos/as. Ontem li uma palavra do Mahatma Gandhi que dizia: “Se a pessoa espera usar a não violência ativa em conjunturas maiores, mas não a pratica em suas relações pessoais e em seu próprio estilo de vida, essa pessoa está redondamente enganada”(citada por Myers, p. 312).
A segunda parte desse texto do evangelho mostra que os discípulos tiveram medo de fazer perguntas a Jesus (sabiam que o projeto deles era outro do mestre). Mas, Jesus faz a eles. Faz isso em casa e a pergunta é sobre o que eles estavam discutindo pelo caminho. Ele sabe que eles discutiam a questão do poder dentro do grupo e lhes diz: “Entre vocês, não deve ser assim”.
Arturo Paoli foi um grande mestre espiritual que viveu muito tempo de sua vida no Brasil e há poucos anos faleceu aos 103 anos na Itália. Ele comentava esse evangelho dizendo que os discípulos de Jesus e depois a maioria dos ministros da Igreja só escutaram a palavra de Jesus através do eco e o eco só repetia as últimas palavras. Então, Jesus dizia: Entre vocês, não deve ser assim!Mas, o eco repetia apenas as últimas palavras: deve ser assim..., deve ser assim... E foi isso que os homens da Igreja escutaram. Por isso transformaram o poder em sagrado e eles mesmos se fizeram ministros do poder sagrado e que definem a Igreja como essencialmente hierárquica.
No entanto, esse desafio é para cada um/uma de nós mesmos em todas as nossas relações e nossas referências de vida. Na 1ª carta de João, o profeta diz dos cristãos: “Nós somos aqueles que acreditamos no amor” (1 Jo 4, 16). Infelizmente, parece que hoje, muitos deveriam dizer: “Nós somos aqueles que acreditamos no poder!”O chamado de Jesus a segui-lo para Jerusalém hoje nos questiona e pede para mudarmos.