Paz e Luz!
Meu nome é Alex Guimarães, sou de São José dos Campos, possuo 30 anos e sou espírita. Já fui seminarista em um passado distante e fui socialista "guevarista" ao extremo em um passado próximo. Hoje possuo um blog espirita onde entrevisto pessoas via e-mail. Gostaria se possível, que o querido irmão Marcelo Barros possa responder á minha entrevista. Creio que não será nenhum problema responder minhas tantas perguntas.
1 - Olá Marcelo tudo bem? Você é um monge beneditino católico apostólico romano?
Resposta: Sim, sou cristão de tradição católica e nessa tradição, vivo desde os dezoito anos como monge beneditino.
2 - Quem lhe ordenou foi Dom Hélder Câmara?
Como sou natural do grande Recife (Camaragibe) e era na época (1969), monge beneditino no Mosteiro de Olinda e Dom Hélder era o arcebispo de Olinda e Recife, ele me ordenou presbítero (padre) e me convidou para trabalhar com ele ajudando-o no setor do ecumenismo e da pastoral da juventude.
3 - Como foi o seu primeiro contato com ele e por quantos anos vocês trabalharam juntos?
Meu primeiro contato com ele foi público, em uma celebração eucarística. Depois, ele me chamou para trabalhar com ele e durante oito anos trabalhei junto com ele.
4 - Recentemente um escritor espirita publicou um livro mediúnico, "Novas Utopias", cujo escritor é o próprio Dom Hélder Câmara no além. Você até prefaciou esta obra, como foi pra você saber notícias de Dom Hélder pós-túmulo?
Trabalho há anos e anos, pela unidade das Igrejas e no diálogo entre as várias tradições espirituais. Por isso, aceitei o pedido do irmão Carlos Pereira para prefaciar o livro que ele apresentou como sendo psicografado pelo espírito de Dom Hélder. Para dialogar, é importante que eu seja eu e você seja você. E eu prefaciei o livro nesse espírito do diálogo. Não me propus nem me foi pedido que eu aceitasse a psicografia ou aderisse ao espiritismo. Não entrei nesse assunto. Para mim o importante é que cada crente se disponha a escutar e acolher o outro e tente aprender do outro alguma coisa, mas sem deixar de ser ele mesmo. Sou cristão católico e escrevi como um exercício de diálogo com meus irmãos espíritas, aos quais estimo e prezo muito, mas sem por isso dever aderir a eles. Parece que isso não foi compreendido nem por católicos que me acusaram de traição à Igreja, nem por espíritas que se utilizam do meu gesto de amor para ver nele uma adesão à doutrina espírita, que, em nenhum momento do meu prefácio, aparece. (Por isso lhe mando em anexo o prefácio que escrevi ao livro Novas Utopias). Quanto a notícias de Dom Hélder pós-túmulo, não me parece que tenha sido nem o assunto do livro. Era um livro sobre valores que Dom Hélder defendeu durante toda a sua vida: a paz, a não violência, a justiça, a fé e em nenhum momento ao que me lembro o livro fala dele mesmo depois da morte.
5 - A renda obtida com a venda deste livro será toda revertida á Sociedade Espírita Ermance Dufaux e ao Instituto Dom Helder Câmara, de Recife, que aliás é uma instituição católica que aceitou a proposta sem qualquer constrangimento. Você acredita que a Igreja esteja se aproximando mais do Espiritismo?
Não estou a par de nada sobre a venda do livro nem em que está sendo aplicada. Sei que alguns irmãos e irmãs do Instituto Hélder Câmara me criticaram muito por ter feito esse prefácio, o que é direito deles/as e eu respeito. De qualquer modo, somos irmãos e irmãs. Quanto a dizer que a Igreja esteja se aproximando do Espiritismo, me parece que se for para a Igreja aderir ao espiritismo ou os espíritas aderirem ao Catolicismo, estamos falando de conquista e não de diálogo ou de unidade. E isso eu não quero nem defendo. Só acredito na Unidade através da diversidade e do respeito às diferenças entre cada um. No século III, São Cipriano de Cartago dizia: "A unidade abole as divisões e supera a separação, mas respeita as diferenças". Penso que as pessoas verdadeiramente espirituais, tanto católicas, como evangélicas, buscam isso e não a adesão de uma a outra. Como se as religiões fossem firmas comerciais (Coca Cola contra Pepsi Cola) ou times de futebol que ora ganham ora perdem campeonatos para saber entre eles qual se impõe ao outro. Isso não é espiritual nem ético.
6 - No prefácio do livro aparece também o aval do filósofo e teólogo Inácio Strieder e a opinião favorável da historiadora e pesquisadora Jordana Gonçalves Leão, ambos ligados à Igreja Católica. Eles afirmam que os católicos devem com es te livro conhecer a verdade espiritual, pois "os tempos são chegados". Você conhece e poderia citar outros nomes que pensam iguais á vocês e que estão ligados ao Catolicismo?
Repito algo que me parece óbvio: tanto o amigo teólogo Inácio Strieder como outras pessoas que trabalham no diálogo defenderam o direito do médium Carlos Pereira escrever o livro e eu como católico propor que uns crentes leiam o livro do outro e não só dos seus próprios companheiros de Igreja. Pelo que sei, nenhum deles falou em defender a adesão à doutrina espírita como tal, como nunca defenderiam que espíritas aderissem ao catolicismo. O contrário disso seria uma volta ao tempo das cruzadas e inquisições, só que dessa vez, não só feitas pela hierarquia católica medieval e sim pelos religiosos que se dizem abertos e modernos. Sou contra qualquer tipo de proselitismo e conheço muitos bispos e teólogos católicos que têm boa relação com irmãos espíritas no espírito do diálogo e não para ver quem conquistou quem. Isso deixemos para filmes medievais e para grupos proselitistas e fundamentalistas atuais.
7 - Você é biblista, sendo assim, gostaria que você comentasse algo á respeito da reencarnação na Bíblia.
A Bíblia vem de uma antiga cultura semita (hebraica) que não divide o ser humano corpo e espírito e nunca poderia falar desse assunto, como depois a cultura grega será capaz de falar porque justamente a filosofia platônica divide a pessoa em corpo e alma e o mundo em material e espiritual. Penso que não devemos fazer leitura fundamentalista (fanática ao pé da letra) da Bíblia. Nesse sentido, nem os católicos podem querer condenar a reencarnação baseados em textos bíblicos que não falavam em princípio desse assunto, nem os espíritas usarem ao pé da letra certos textos para dizer que ali se falava em reencarnação. Não creio que ninguém ganhe com o fato de querer provar que Jesus disse que João Batista era Elias reencarnado e assim por diante. Se eu creio ou não creio em reencarnação, não preciso da Bíblia para referendar ou legitimar isso. A Bíblia não fala de tudo e nem pretende ser um livro dogmático sobre todos os assuntos da fé.
Quando o povo de Israel foi conquistado pelos impérios orientais e depois por Alexandre Magno, século IV antes de Cristo, aí sim entrou em contato com o helenismo e mais tarde com o gnosticismo. Aí sim em alguns círculos judaicos populares, há sinais de que acreditavam em crenças sincréticas que tinham certo conceito de reencarnação ou metempsicose oriental. Como também a noção neotestamentária da ressurreição vem daí. Na história da Igreja, alguns filósofos e teólogos parecem ter admitido, ao menos em algum período de vida, a possibilidade da reencarnação (Orígenes, por exemplo, no século III). Como a polêmica era muito forte e a repressão dogmática muito grande, isso não é um assunto claro. Nos anos recentes, teólogos cristãos do mundo inteiro dedicaram um número da revista teológica Concilium ao tema "Reencarnação ou Ressurreição" e o artigo que concluía os vários estudos era de que talvez as duas crenças não sejam tão contrárias e excludentes como a Igreja Católica acreditava durante séculos. Não é meu assunto aqui e não posso nessas linhas explicar isso. O que quero deixar claro é que não tem sentido ser intolerantes uns com os outros nem achar que o melhor é quando uns aderem aos outros. Podemos ser irmãos e unidos sendo diferentes.
8 - Ainda falando de bíblia, nela está escrito que Jesus foi á sinagoga e viu um homem possuído. Ví um escrito seu sobre um comentário que o padre judeu Chouraqui fez sobre esta passagem. Você poderia nos dizer algo?
Na cultura de Jesus, toda doença vinha de um espírito mau ou energia negativa. Naquele tempo, uma pessoa epiléptica estava possuída por um demônio. Como hoje, em geral, eram chamados de endemoniados os pobres e marginais. Pecador não era uma categoria moral. Era social. Jesus libertou essas pessoas integrando-as na sociedade e revelando a elas o amor prioritário de Deus pelos pequeninos e oprimidos.
9 - Eu já estive ligado ao MST e entendo quando você fala da parte espiritual existente naquele grupo. O que você poderia nos dizer sobr e este movimento, sobre a Pastoral da Terra e sobre o querido Dom Pedro Casaldáliga?
A coisa mais importante da mensagem de Jesus é que Deus tem um projeto para o mundo e esse projeto é de paz, justiça e amor para todos. "Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância" (João 10, 10). Acredito que o MST como movimento popular autônomo (não é cristão e nem de Igreja), ao lutar pacificamente pela justiça no campo e para que a terra seja de todos, pela ecologia e pela agricultura familiar, testemunha profeticamente esse projeto divino de um mundo novo possível, mais do que trabalhos de Igrejas voltados só para a própria Igreja. Assim também é a pastoral da terra que ajuda as Igrejas cristãs a servirem ao povo do campo e salva muitas vidas. Dom Pedro Casaldáliga é um irmão e profeta que doou toda a sua vida ao povo pobre e aos indios. Quem o conhece tem a graça de conhecer um verdadeiro discípulo de Jesus e que, em sua bondade, revela a bondade divina.
10 - Frei Betto, Leonardo Boff, Dom Tomás Balduíno, Padre Julio Lancelotti...o que estes nomes representam para você?
Representam a esperança de ver que sempre continuam a haver profetas no mundo e por isso podemos nos alegrar de que o caminho continua. Que Deus os abençoe e os conduza sempre.
11 - Falando de Frei Betto e Leonardo Boff, lembrei de seus livros, quantos você já escreveu?
Isso não é importante. Tenho 44 livros publicados no Brasil e alguns outros publicados em outros países. Mas o importante é se tenho servido às pessoas e ajudado meus irmãos e irmãs a serem mais felizes e livres.
12 - "O Espirito vem pelas águas"?
É o título de um livro meu (ed. Loyola, 2003). É tirado do primeiro versículo da Bíblia: "No princípio, Deus tinha criado o céu e a terra e o Espirito de Deus pairava sobre as águas". No hebraico, espírito é uma palavra feminina (ruah) e quer dizer ventania, sopro. Seria o que chamamos de "energia". As religiões antigas acreditavam que a vida surgiu em primeiro lugar das águas e por isso o Espírito vem pelas águas. Dei esse título ao livro para falar da atual crise da água e propor um cuidado maior com a água que é um bem universal e deve ser gratuito e direito de todos e nunca deveríamos permitir que a água seja privatizada ou mercantilizada como está acontecendo hoje em todo o mundo.
13 - E você já viu algum espírito materializar-se em sua frente?
Depende do que chamamos de "espírito". Já vi sim materializar-se em minha frente o espírito de amor, de solidariedade, de compaixão, como também já vi em um policial batendo em um homem de rua a materialização de um espírito mau. Mas, no sentido que parece você me pergunta, não. Nunca vi um espírito de pessoa já falecida se materializar em minha frente. Respeito quem tenha visto e nunca negaria isso. Só não é essa a minha experiência nem preocupação. Tenho outros interesses.
14 - O que dizer daquela passagem do Evangelho onde Jesus aparece ao lado de Moisés e Elias?
A maioria dos exegetas e especialistas no estudo dos evangelho ensina que os relatos dos três evangelhos sinóticos sobre a transfiguração de Jesus (Mateus 17, 1-9 , Marcos 9,2- 10 e Lucas 9, 28- 36) não são relatos históricos e sim parábolas ou como os judeus costumavam fazer, midrash sobre a ressurreição de Jesus. Então, não dá para concluir deles nada mais do que os evangelistas quiseram mostrar que Jesus resumia em si a lei (representada por Moisés) e a profecia (por Elias). Se fossemos tomar esses relatos como ao pé da letra, ainda assim haveria várias explicações de acordo com o olhar de cada pesquisador (Todo ponto de vista é sempre vista de um ponto).
15 - Você deve ser muito criticado por defender o Espiritismo, o Candomblé, a Umbanda...O Vaticano alguma vez já se pronunciou diretamente á você sobre estas questões?
Como muitos outros companheiros e companheiras, defendo que a diversidade das religiões é boa e fecunda para todos e que cada uma tem sua contribuição a dar para a humanidade. Diretamente nunca fui chamado ao Vaticano. Sei que os documentos do papa e do Vaticano defendem o diálogo entre as religiões. Pessoalmente, nisso, sigo o evangelho de Jesus e procuro me inserir na minha Igreja local (A Igreja universal não é uma multinacional da fé dirigida pelo Vaticano, ou ao menos não deve ser. Deve ser uma comunhão de Igrejas locais autônoma).
16 - O Papa João Paulo II, ele queria difundir o Ecumenismo?
Ele fez vários gestos nesse sentido e escreveu uma encíclica chamada "Para que todos sejam UM" que inclusive pede aos irmãos de outras Igrejas que o ajudem nessa tarefa. Várias vezes, enfrentou a estrutura fechada do Vaticano, por exemplo, para convidar líderes religiosos de várias tradições espirituais para junto com ele fazerem uma peregrinação a Assis e se encontrarem lá para orar pela paz do mundo (1986).
17 - O que é a Teologia da Libertação?
É o esforço para pensar a fé cristã a partir dos mais pobres e ligar o compromisso de crer com o de transformar o mundo de acordo com o projeto divino.
18 - Você já esteve com Hugo Chávez, Rafael Correa ou outro líder político socialista? Pois você está sempre viajando meu irmão (risos).
Esses líderes populares estão em vários dos encontros do fórum social mundial. Toda pessoa que frequenta esse processo social já os encontrou algumas vezes. O fato desses presidentes estarem ligados aos índios, aos lavradores e a todos os oprimidos faz com que nos encontremos sim no mesmo lugar social e tendo no coração as mesmas causas comuns que são as causas do povo latinoamericano.
19 - Para finalizar nossa extensa entrevista, peço-lhe encarecidamente para deixar uma mensagem á todos os nossos leitores - temos leitores de todos os credos.
Para quem é de Deus nada do que é humano pode ser estranho. Essa palavra de um espiritual do século III seja nosso caminho de busca espiritual e de comunhão. De qualquer tradição espiritual que sejamos, o importante é nos colocarmos a serviço uns dos outros e ajudar nossa religião a dar uma verdadeira contribuição para que esse mundo seja mais justo e de paz.
20 - Muito obrigado querido monge Marcelo Barros, que Jesus continue a lhe abençoar nesta sua missão ecumênica. São suas as considerações e agradecimentos finais.
Cada um/uma de nós é portador/a do Espírito e este precisa de nós que testemunhemos que esse Espírito é amor e vive em nós. Um teólogo cristão dizia que cada pessoa só pode reconhecê-lo presente no outro. Isso quer dizer que eu creio que ele está em mim sim, mas eu só o percebo se perceber em você e do mesmo modo você pode percebê-lo em mim e não em você mesmo/a. Isso eu creio que vale para o plano pessoal, mas também vale para o plano confessional. Peço a Deus para que nos ilumine para que possamos vislumbrar e contemplar essa ação e presença do Espírito Divino nas pessoas de outras religiões e nos grupos que pensam diferentemente de nós. Isso não nos levará a deixar nossa fé e tomar a dos outros, mas nos ensinará a viver a nossa de forma mais dialogal e universal. Obrigado pela oportunidade de conversar com vocês e que Deus abençoe a todos/todas com sua ternura de amor e a alegria de sermos sempre e sempre mais livres interiormente.
Alex S. C. Guimarães
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