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Entrevista de Cláudia Fanti (do jornal italiano ADISTA) sobre um documento da CNBB

1 - A assembleia geral dos bispos católicos do Brasil acaba de aprovar um documento sobre as questões de terra no Brasil, nesse século XXI. Sabemos que esse documento foi muito discutido. O que achou do texto que foi finalmente aprovado? 

Marcelo: Li e gostei do documento. Atualiza os documentos anteriores (de 1981, de 1988 e 2006). Mostra claramente que a concentração de terra no Brasil só tem aumentado, que isso leva o nosso povo à maior pobreza, à dependência do comercio internacional com o agronegócio, à destruição da natureza, à crise da água e assim por diante. O documento mostra um apoio claro e profético aos lavradores sem terra, aos índios, aos quilombos, às comunidades ribeirinhas e de pescadores. Faz apelo aos poderes executivo, legislativo e judiciário para que cumpram a constituição e possam efetivamente garantir uma verdadeira justiça no campo, através de uma ampla e profunda reforma agrária. 

 2 - Há algum aspecto sobre o qual você gostaria que o documento avançasse mais? 

Pessoalmente, vejo que o documento é um verdadeiro estudo sobre a questão da terra e toma posição correta sobre a realidade. Mas, me pergunto a quem é mais concretamente dirigido. Aos ricos e latifundiários para que se convertam? Ao governo para que mude de política e passe a dialogar com os mais oprimidos? A quem o documento é endereçado? Tanto o governo como os proprietários de terra sabem de tudo aquilo que o documento diz. E não vão mudar nada por causa desse documento.

E o setor ao qual os bispos poderiam ter falado mais claramente que é o pessoal da própria Igreja, os padres e agentes de pastoral, penso que nem lerão um documento tão grande e de estudo. E ao vê-lo dirão: Não é para nós. E continuarão a fazer sua pastoral só para dentro e autoreferencial... Isso é pena. Nem os bispos que assinaram, quantos chegarão em suas dioceses e começarão a entrar em contato com as organizações que trabalham nessa questão da terra? Não sei, mas quero ver se será assim. 

3 - No entanto, o documento tem toda uma parte bíblica, catequética sobre a questão da terra....

Sim, o documento é escrito em três partes: ver, julgar e agir. A primeira parte é uma descrição da realidade da terra. A segunda parte é uma tentativa de avaliação dessa realidade à luz da fé cristã e a terceira é de propostas concretas para mudar a realidade. 

Se o documento é dirigido à sociedade civil, laica, eu teria preferido que, para avaliar a realidade, os bispos se referissem mais a uma ética laica, secular, universal. Não creio que argumentos da Bíblia hoje tenham força para uma sociedade laica. Teria sido mais eficaz apelar para documentos da ONU, palavra de cientistas e economistas e não apenas em palavras dos papas, mas isso é minha opinião. Se o documento fosse para os padres e paróquias, sim. O tipo de argumento seria perfeito, mas penso que esses não o lerão. 

3 -  E o governo Dilma não se sentirá pressionado pela palavra dos bispos? 

Em outras épocas, a palavra dos bispos católicos tinha poder de pressão. Atualmente, não me parece. Desde o governo Lula, bispos têm se pronunciado contra projetos milionários como a transposição do São Francisco e a Usina Belo Monte que destrói parte da região amazônica e tira de suas terras várias comunidades indígenas e isso não mudou nada. Os projetos faraônicos se fazem da mesma maneira. Não vejo na presidente Dilma nenhuma sensibilidade ou preocupação com os mais empobrecidos. O seu diálogo é com o agronegócio e sua preocupação única é com o poder: ganhar a reeleição e para isso é refém de partidos como o PMDB que é o partido dos latifundiários e do agronegócio. 

4 - O documento fala em opção preferencial, mas não exclusiva pelos pobres. Isso não é contrário à Teologia da Libertação. 

Não acompanhei as discussões na CNBB e não sei. Ao ler isso, me pergunto se os bispos ainda usam esse tipo de linguagem mais pensando na cúria romana do que no povo brasileiro. Desejo ver um dia os nossos bispos assumirem o lugar que lhes cabe de pastores de Igrejas em comunhão, mas com sua autonomia de Igrejas locais, como desejava o Concílio Vaticano II e parece querer o papa atual. Aí eles não precisarão mais pedir licença a nenhum patrão para poderem ser profetas. 

5 - Alguma outra consideração? 

No Brasil, outras Igrejas cristãs (a luterana, a anglicana e a presbiteriana unida) têm trabalhos com lavradores e índios. Em outros momentos, os bispos se juntaram aos pastores e deram declarações que eram assinadas por pastores de várias Igrejas e isso teve mais força e era um bom testemunho junto a lavradores e índios que são membros de várias Igrejas ou de nenhuma. Lamento que nesse documento não haja nenhuma referência ao trabalho de outras Igrejas e que não se tenha buscado esse apoio ecumênico. Mas, dito isso, agradeço a Deus esse documento e fico feliz que os bispos católicos do Brasil o tenham aprovado.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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