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Entrevista, sábado, 02 de agosto 2014

Entrevista para a revista italiana “In diálogo”

Entrevistador: Antonio Vermigli

Revista: Como você, cristão e teólogo, reage à inauguração do maior templo religioso do Brasil e provavelmente do continente latino-americano. O novo “Templo de Salomão”, construído pela Igreja Universal do Reino de Deus, em São Paulo, tem lugar para dez mil pessoas, custou 685 milhões de reais, importou de avião pedras de Israel, tem uma arca da aliança toda revestida de ouro. Como, a partir de sua fé, você julga tudo isso?

Marcelo: Como cristão, não posso julgar a fé e as intenções de ninguém, menos ainda de outra Igreja. O que posso é pedir a Deus que alguns setores da minha Igreja (Católica) não inventem de fazer alguma réplica católico-romana do novo Templo de Salomão. Sei que um arcebispo brasileiro está construindo uma nova catedral metropolitana no novo Paço Municipal da cidade para colocar, lado a lado, o poder civil e o poder religioso. Espero que os ministros da nossa Igreja aceitem os apelos do papa Francisco em prol de uma Igreja servidora e pobre e não construtora de templos de ouro e monumentos de poder.

Revista: Então, você é contra a construção de templos....

Marcelo: As comunidades têm direito e precisam de um lugar adequado para se reunir, como as pessoas precisam de um espaço bom para orar, para meditar e até se encontrar consigo mesmas e com Deus. Nesse mundo tão agitado e conturbado, isso é uma necessidade. Mas, esse espaço deve ser uma Igreja, ou seja, um lugar onde se reúne a assembleia. Essa é a diferença entre Igreja e templo. O templo é um lugar sagrado, considerado nas religiões uma casa de Deus. A Igreja é uma casa da comunidade que acredita que onde dois ou três se reúnem em seu nome, Jesus está no meio deles e nos traz a presença de Deus.

Revista: Mas, quase todas as religiões têm templos, considerados como espaços sagrados e, portanto, casas de Deus. Você condena isso?

Marcelo:  Não. Não condeno. Como disse no início, não posso julgar a fé de nenhuma comunidade, principalmente de outra religião. O que devo dizer é que a história dos templos antigos está ligada a monarquias. Os reis tinham seus palácios e esses palácios eram mais suntuosos e imponentes quanto mais o rei era importante. Assim como o rei morava em palácio, se pensava que Deus, rei do céu, também deve ter seu palácio. É o templo. Na Bíblia, os profetas criticaram muito essa visão. Primeiramente disseram que o universo inteiro não pode caber Deus. Como ele poderia morar em uma casa de madeira ou de pedra?

Revista: Mas assim mesmo Salomão construiu o templo de Jerusalém e Deus o abençoou, diz a Bíblia....

Marcelo: Os profetas deixam claro que o templo de Jerusalém não é a casa onde Deus mora e sim onde é invocado o seu nome e ele atende as orações do seu povo. No começo, no deserto, Moisés construiu uma tenda e disse que era a tenda da reunião onde se podia consultar Deus. Salomão construiu o templo. Mas, desde o começo, os profetas disseram que Deus aceita o templo, porque respeita a cultura do povo que precisa disso, mas o que ele quer mesmo é a justiça e a ética de vida.

Revista: Mas o próprio Jesus fez peregrinações ao templo e chamou o templo de “Casa do meu Pai”.

Marcelo: O povo fazia peregrinações ao templo para fazer sacrifícios. O evangelho diz que Jesus ia ao templo para ensinar ao povo. Portanto era mais para encontrar o povo, como os profetas faziam do que para se encontrar com Deus. Para viver sua intimidade com Deus, os evangelhos dizem que ele subia a montanha e passava a noite em oração na natureza. De fato, ele chamou o templo de “casa do meu Pai” mas era para citar Isaías 56 que pedia que o templo fosse aberto a todas as culturas e raças da terra. E Jesus cita esse texto, ao mesmo tempo que cita Jeremias 7 dizendo: e vós (sacerdotes) fazeis dele (do templo) um covil de ladrões (ver João 2, 13 ss). E aí ele profetiza que podem destruir esse templo que ele construirá um outro não feito por mão humana. E ele falava, diz o evangelho, do templo do seu corpo.

Revista: Então, o verdadeiro templo não é de pedra e de paredes....

Marcelo: São Paulo diz que nós somos os templos de Deus no mundo e Jesus insistia que era nos pequeninos e empobrecidos que as pessoas podiam encontrá-lo.  

Revista: Mas no Brasil o número de católicos diminui e o de neopentecostais aumenta tanto que os responsáveis pensam que precisam de um templo de dez mil lugares....

Marcelo: Acho que a diversidade religiosa é uma bênção divina. O fato de que o censo brasileiro diz que atualmente os católicos são 68% (antigamente eram mais de 90%) não é ruim. É o direito das pessoas escolher a Igreja ou religião que as ajude mais a viver a intimidade com Deus. Acho que antigamente, mesmo quem não ia nunca à Igreja, se dizia católico. Hoje não é assim e então o número de católicos pareceu diminuir, mas é normal. Para que Igreja de massas? De multidões? Jesus falava e curava o povo, mas os seus discípulos eram poucos. Os evangelhos falam em doze apóstolos e algumas mulheres. Só o evangelho de Lucas, escrito mais tarde fala em 72 discípulos.

O que não acho bom é que as pessoas deixem a Igreja Católica porque não encontram nela aquilo que ela teria obrigação de lhes dar: o testemunho do amor divino. Aí a falha é nossa, dos ministros e devemos quanto antes rever isso....

Revista: Tem também o problema de construir um templo tão imponente e rico em um bairro pobre e no meio de tanta pobreza....

Marcelo: Pois é. De certo modo, isso vai ao encontro da dignidade dos pobres que dizem: somos pobres, não temos nada, mas nossa Igreja é luxuosa e rica... Nisso há sem dúvida uma alienação porque a riqueza da Igreja é feita explorando a eles que são pobres e dão do que é necessário para viver. No evangelho, Jesus fala do óbulo da viúva rica, mas não elogiando que ela tenha dado e sim criticando o templo por tomar o pouco que ela ainda tinha (Marcos 12). Os Atos dos Apóstolos dizem que as primeiras comunidades cristãs se reuniam nas casas e não tinham templo.

Revista:  Se você pudesse dar uma palavra de irmão aos pentecostais brasileiros que estão com esse templo, o que você diria?

Marcelo: Eu diria a eles que o mundo e as Igrejas cristãs tradicionais precisariam que eles sejam cada vez mais pentecostais, verdadeiramente pentecostais. Ser pentecostal significa ser totalmente aberto ao Espírito Santo. Isso significa ser mais da liberdade do Espírito do que da letra da lei, viver mais a adoração a Deus em espírito e em verdade do que nesse ou naquele monte, como disse Jesus à samaritana (João 4). Eu diria a eles que se eles optam pela institucionalidade e pela religião com uma estrutura tão pesada como uma empresa capitalista, eles traem o espírito pentecostal mais profundo. Penso que o verdadeiro pentecostal deveria ser mais aberto, mais revolucionário, mais faminto e sedento de justiça do que o cristão que não se diz pentecostal. Afinal, eles recebem o Espírito e vivem do Espirito. Procurem viver isso. E Deus os abençoe.

Revista: No plano político, vocês brasileiros terão um candidato pentecostal à presidência da República?

Marcelo: É o direito desse pastor da Assembleia de Deus e de todos os pentecostais participarem como cidadãos e como crentes do processo político. O que é importante é que ele não seja candidato para defender privilégios e favores para a sua Igreja e sim para servir ao povo. Há um número cada vez maior de candidatos membros de Igrejas pentecostais.  É bom unir fé e política, mas há uma forma correta de fazer isso – lutando pela justiça e contra as desigualdades do mundo. E há uma forma errada e vergonhosa que é querer transformar o Brasil e o mundo em uma grande seita religiosa moralista, retrógrada e que dá um testemunho péssimo de Deus. No lugar de mostrar ao povo um Deus amor e amigo, mostram um Deus discriminador e violento, excludente e que privilegia os ricos, seus amigos.

Revista: E nós que não somos brasileiros, o que podemos fazer?

Marcelo: Com relação ao Brasil, divulgar o bolivarianismo como futuro para a América Latina, defender os governos bolivarianos dos ataques da imprensa europeia de direita e fazer pressão internacional para que o governo brasileiro seja cada vez mais bolivariano. Com relação à Igreja, apoiar o direito dos brasileiros de ter uma Igreja com rosto e jeito daqui e menos ocidental e europeia. Uma Igreja que em 1968 os bispos latino-americanos pediram que fosse “pobre e missionária, comprometida com a libertação de toda a humanidade e de cada pessoa por inteiro”(Medellin 5, 15).

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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