Nossa Senhora Aparecida.
João 2, 1- 12.
Nesse domingo, 12 de outubro, os povos da América, ou da Abya Yala indígena recordam o 12 de outubro de 1942, data considerada como início da conquista e da colonização do continente, fato que trouxe para os povos originários e até hoje, para as comunidades descendentes das pessoas escravizadas, muitos sofrimentos e o peso da imensa desigualdade social e de uma política que continua colonial e opressiva.
No Brasil, desde os tempos do Concílio Vaticano II (1962- 1965), a Igreja Católica celebra nessa data a festa de Nossa Senhora Aparecida. A festa recorda como, em 1717, pescadores pobres descobriram no fundo do rio Paraíba do Sul, uma pequena imagem de barro, representando Maria, mãe de Jesus e nossa mãe. A devoção a N. Sra. Aparecida tem sido sinal do amor de Deus às pessoas mais empobrecidas e violentadas.
Não é por acaso que, nas celebrações dessa festa, a Igreja propõe como leitura do evangelho João 2, 1- 12: o relato da festa de casamento em Caná da Galileia, na qual Jesus realiza o primeiro sinal de ter sido enviado por Deus para inaugurar um novo tempo de salvação e de vida para todas as pessoas e para a Mãe-Terra. É muito significativo que ele faz esse sinal a pedido de sua mãe Maria. Ela é quem o leva a agir.
Conforme esse relato do 4º evangelho, o primeiro sinal que Jesus dá de sua missão não se passa no templo, nem em Jerusalém, nem mesmo em uma sinagoga, mas sim em uma aldeia da Galileia, a região mais pobre do país, em uma casa.
De acordo com alguns estudos, ali viviam muitas pessoas que manifestavam contra o regime político e religioso que dominava a região. Ali se reuniam grupos revoltados contra o Império Romano, que era escravocrata, e contra a elite judaica do templo de Jerusalém[1]. É ali que ocorre uma festa de casamento.
Era comum nos tempos de dominação, os opressores proibirem festas de casamento, porque duravam sete dias e durante os quais as pessoas não trabalhavam. Por isso, festa de casamento era símbolo da sociedade libertada que as pessoas de Caná desejavam. Na Bíblia e nos evangelhos, festa de casamento simboliza a chegada do projeto divino no mundo.
O evangelho insiste que isso se dá no terceiro dia. Para quem é discípulo de Jesus, recorda o domingo da Ressurreição, o início de um novo casamento entre Deus e a humanidade. Conforme o evangelho, a Mãe de Jesus tinha sido convidada. No quarto evangelho, ela aparece duas vezes, aqui e ao pé da cruz de Jesus, na hora da sua crucifixão. Em ambas as passagens, não se diz o seu nome próprio. Ela é simplesmente chamada a Mãe de Jesus. Ele também estava na festa e ela o procura para dizer: “Filho, eles não têm mais vinho.” Jesus reage dizendo: “Mulher, o que temos a ver com isso? A minha hora ainda não é chegada.”
É uma palavra misteriosa que pode significar muito. Talvez indique que ali, Maria, representa não apenas a sua mãe, mas uma nova Eva na recriação do mundo, ou seja, uma figura de toda a humanidade a ser renovada. É dentro desse simbolismo que ela vai aos serventes e lhes diz: “Façam tudo o que ele propor.” E Jesus propõe encherem de água grandes jarras de pedra destinada aos ritos de purificação do judaísmo.
Nesse dia de Nossa Senhora Aparecida, ao recordar que foi a pedido de sua mãe que Jesus antecipou a sua missão (a sua hora) e possibilitou a alegria daquela festa, podemos pedir a Maria que interceda por nós. Precisamos também estar dispostos a ouvir, hoje, da Mãe Aparecida, a palavra que ela disse aos serventes em Caná: “Façam tudo o que ele, Jesus, lhes disser.”
É costume os comentários dizerem que as jarras vazias significam que o Judaísmo está vazio. Essa afirmação não é ecumênica e pode ser injusta. Jesus não trocou um templo pelo outro. Conforme o texto, o que está vazio é o sistema ritual do templo, um tipo de religião que pode ser judaica, cristã, budista de qualquer outra denominação. Infelizmente, até hoje, esse tipo de religião é seguido por muitas pessoas que ficam presas a ritos e cultos e, por isso, trombeitam fundamentalismos, dualismos e moralismos.
De fato, naquele ambiente de festa, Jesus agiu tão discretamente que ninguém notou, a não ser os serventes que encheram as jarras e serviram na festa a água que tinha se tornado vinho. Jesus não se preocupou de fazer propaganda de si mesmo, nem mesmo ficamos sabendo quem eram os esposos, donos da festa e se souberam do que tinha acontecido. O que o texto ressalta é que aquele novo vinho, considerado pelos que tomaram como o vinho melhor simbolizava a novidade do reinado divino que Jesus veio trazer ao mundo. Em um Círculo Bíblico sobre Jo 2,1-12, quando a coordenadora perguntou o que significava o vinho melhor, uma senhora alertou: “O vinho novo é Jesus Cristo e seu Evangelho que nos alimenta até hoje e transforma a vida numa festa que cabe todos e todas.”
Contemplemos, então, em Maria, mãe de Jesus, a imagem da humanidade renovada, aberta à ação divina e que continua pedindo ao Pai que venha logo o seu reinado e que a hora do Cristo Ressuscitado se manifeste de novo aqui e agora.
[1] - Cf. MATEOS, Juan e BARRETO, Juan. O Evangelho de São João. São Paulo: Ed. Paulus, 1989, p. 131.