XXXIV Domingo comum C:
Marcelo
“No olhar da gente, a certeza do irmão: reinado do
povo”
Assim, nas palavras do querido poeta e compositor Zé
Vicente, cantamos a esperança do poder popular.
Neste último domingo do tempo comum, a Igreja Católica
e algumas outras Igrejas históricas celebram a festa do Cristo Rei. É uma forma
de nos mostrar o reinado de Jesus como meta da história. Para não cairmos em
uma mitologia de Cristo como rei igual aos poderosos do mundo, o evangelho lido
neste ano C é Lucas 23, 35- 43, uma cena da crucifixão de Jesus que, conforme o
evangelho, teria ocorrido poucos minutos antes de Jesus morrer na cruz.
De fato, essa festa de Cristo Rei foi criada em 1925,
quando na Europa, a sociedade caminhava para uma época de grandes ditaduras
como o Fascismo em países como Portugal, Espanha, Itália, Alemanha e, a partir
daí, o que resultou em uma guerra mundial. Era como se ao proclamar Jesus como
Rei se quisesse contrapor outro modo de viver o poder na sociedade.
Ao ler o evangelho da crucifixão, não podemos esquecer
que Jesus foi condenado e foi morto pela conjugação do poder religioso com o
político, em aliança contra Jesus e sua profecia. De fato, temos de nos
perguntar o que significa no mundo atual, chamar Jesus de rei, mesmo com o
esclarecimento necessário que ele reina na cruz e que sua forma de ser rei é
oposta à forma da nobreza do mundo.
Para o evangelho, o modo como Jesus viveu sua missão
de libertador foi de modo contrário ao poder e à força. Quando, na cruz, o
ladrão disse: “Lembra-te de mim no teu reino”, Jesus respondeu: “Hoje mesmo
estarás comigo no paraíso”. O que significa? Não pode ser apenas que o reino de
Jesus é o paraíso para onde se vai depois da morte, já que em nome do reino de
Deus, mesmo a Igreja mais tradicional sempre aceitou títulos e poder no mundo.
Não deixa de ser significativo que o primeiro cidadão
do reino de Jesus tenha sido um bandido que a tradição cristã chamou de
“ladrão”, mas cuja tradução mais exata da palavra grega usada pelos evangelhos
seria um subversivo político condenado à morte pelo império.
Alguns exegetas fazem o malabarismo de deslocar o Hoje
da frase que o evangelho diz ter Jesus pronunciado: “Em verdade te digo: Hoje
estarás comigo no paraíso” contém a promessa imediata para hoje. Se ele disse:
“Em verdade, te digo, hoje: estarás comigo no paraíso”, a afirmação ganha outro
sentido. Aí paraíso seria a entrada no reino e o evangelho não teria
necessariamente ligado isso com a morte. Seja como for, na cruz Jesus revela
que mesmo na última hora, toda pessoa pode contar com o perdão divino e a
participação no seu reinado. E claro o mais importante é que o Hoje do qual
Jesus fala é o hoje da salvação que vai além da referência imediata ao tempo.
Por trás dessa cena, o mais importante é ver a questão
messiânica, mistério até hoje não totalmente resolvido. Já sabemos que, por seu
modo de assumir a missão de Messias, Jesus frustrou as expectativas judaicas do
seu tempo. Não correspondeu à figura do revolucionário que enfrenta os romanos
e estabelece o reinado messiânico no mundo. Desde o princípio, as comunidades
cristãs tentaram espiritualizar a sua forma de viver a missão (o meu reino não
é deste mundo). Como compreender isso hoje?
Hoje são milhões de pessoas no mundo que vivem como
marginais nos mais diversos tipos de cruz inventados pelo mundo para exterminar
a multidão de descartáveis que não são necessários ao comércio e ao lucro dos
poderosos e da elite econômica que, no Brasil, Jessé de Souza chama de “elite
do atraso”, marcada pelo racismo e pela desumanidade monstruosa.
Sem dúvida, a melhor forma de celebrar a salvação
divina é não legitimar monarquias nem nobrezas humanas e realmente nos colocar
como cidadãos e cidadãs do reinado dos povos crucificados aos quais precisamos
fazer descer da cruz.
Neste ano, esta festa do Cristo Rei coincide com a
memória do martírio do Zumbi dos Palmares e o dia da união e consciência negra.
É ocasião para ver na história do Zumbi um chamado atual de Deus para
aquilombar o Brasil e aprofundar cada vez mais em nossos meios uma
espiritualidade de quilombo, ou seja, de resistência comunitária e de enfrentamento
das opressões na solidariedade a todo o povo negro.
Somos chamados/as a crer que na luta pacífica das
pessoas e comunidades crucificadas do mundo está a salvação que Jesus nos
promete e que os movimentos populares chamam de “reinado do povo”.