Blog Aqui vamos conversar, refletir e de certa forma conviver.

Festa de Cristo Rei: Lc 23, 35- 43

XXXIV Domingo comum C:

Marcelo

“No olhar da gente, a certeza do irmão: reinado do povo”

 

Assim, nas palavras do querido poeta e compositor Zé Vicente, cantamos a esperança do poder popular.

Neste último domingo do tempo comum, a Igreja Católica e algumas outras Igrejas históricas celebram a festa do Cristo Rei. É uma forma de nos mostrar o reinado de Jesus como meta da história. Para não cairmos em uma mitologia de Cristo como rei igual aos poderosos do mundo, o evangelho lido neste ano C é Lucas 23, 35- 43, uma cena da crucifixão de Jesus que, conforme o evangelho, teria ocorrido poucos minutos antes de Jesus morrer na cruz.

De fato, essa festa de Cristo Rei foi criada em 1925, quando na Europa, a sociedade caminhava para uma época de grandes ditaduras como o Fascismo em países como Portugal, Espanha, Itália, Alemanha e, a partir daí, o que resultou em uma guerra mundial. Era como se ao proclamar Jesus como Rei se quisesse contrapor outro modo de viver o poder na sociedade.

Ao ler o evangelho da crucifixão, não podemos esquecer que Jesus foi condenado e foi morto pela conjugação do poder religioso com o político, em aliança contra Jesus e sua profecia. De fato, temos de nos perguntar o que significa no mundo atual, chamar Jesus de rei, mesmo com o esclarecimento necessário que ele reina na cruz e que sua forma de ser rei é oposta à forma da nobreza do mundo.

Para o evangelho, o modo como Jesus viveu sua missão de libertador foi de modo contrário ao poder e à força. Quando, na cruz, o ladrão disse: “Lembra-te de mim no teu reino”, Jesus respondeu: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso”. O que significa? Não pode ser apenas que o reino de Jesus é o paraíso para onde se vai depois da morte, já que em nome do reino de Deus, mesmo a Igreja mais tradicional sempre aceitou títulos e poder no mundo.

Não deixa de ser significativo que o primeiro cidadão do reino de Jesus tenha sido um bandido que a tradição cristã chamou de “ladrão”, mas cuja tradução mais exata da palavra grega usada pelos evangelhos seria um subversivo político condenado à morte pelo império.

 

Alguns exegetas fazem o malabarismo de deslocar o Hoje da frase que o evangelho diz ter Jesus pronunciado: “Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no paraíso” contém a promessa imediata para hoje. Se ele disse: “Em verdade, te digo, hoje: estarás comigo no paraíso”, a afirmação ganha outro sentido. Aí paraíso seria a entrada no reino e o evangelho não teria necessariamente ligado isso com a morte. Seja como for, na cruz Jesus revela que mesmo na última hora, toda pessoa pode contar com o perdão divino e a participação no seu reinado. E claro o mais importante é que o Hoje do qual Jesus fala é o hoje da salvação que vai além da referência imediata ao tempo.

Por trás dessa cena, o mais importante é ver a questão messiânica, mistério até hoje não totalmente resolvido. Já sabemos que, por seu modo de assumir a missão de Messias, Jesus frustrou as expectativas judaicas do seu tempo. Não correspondeu à figura do revolucionário que enfrenta os romanos e estabelece o reinado messiânico no mundo. Desde o princípio, as comunidades cristãs tentaram espiritualizar a sua forma de viver a missão (o meu reino não é deste mundo). Como compreender isso hoje?

Hoje são milhões de pessoas no mundo que vivem como marginais nos mais diversos tipos de cruz inventados pelo mundo para exterminar a multidão de descartáveis que não são necessários ao comércio e ao lucro dos poderosos e da elite econômica que, no Brasil, Jessé de Souza chama de “elite do atraso”, marcada pelo racismo e pela desumanidade monstruosa.

Sem dúvida, a melhor forma de celebrar a salvação divina é não legitimar monarquias nem nobrezas humanas e realmente nos colocar como cidadãos e cidadãs do reinado dos povos crucificados aos quais precisamos fazer descer da cruz.

Neste ano, esta festa do Cristo Rei coincide com a memória do martírio do Zumbi dos Palmares e o dia da união e consciência negra. É ocasião para ver na história do Zumbi um chamado atual de Deus para aquilombar o Brasil e aprofundar cada vez mais em nossos meios uma espiritualidade de quilombo, ou seja, de resistência comunitária e de enfrentamento das opressões na solidariedade a todo o povo negro.

Somos chamados/as a crer que na luta pacífica das pessoas e comunidades crucificadas do mundo está a salvação que Jesus nos promete e que os movimentos populares chamam de “reinado do povo”.

 

No Comments Yet...

Leave a reply

Your email address will not be published.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

Informações