Marcelo Barros
Neste domingo, celebramos a festa de todos os santos e santas. Nestes dias, nos quais culturas antigas comemoravam o dia das bruxas e os cristãos faziam memória dos defuntos, a Igreja quis celebrar a comunhão profunda que nos liga em Deus. No Credo, dizemos: “Creio na comunhão dos santos”. Isso significa que a santidade é comunhão e como tal contagia. O amor e o bem que alguém pratica fazem bem a todo mundo. De fato, nesta festa, tomamos como evangelho Mateus 5, 1- 12: o início do discurso de Jesus na montanha, quando ele proclama as bem-aventuranças.
Neste primeiro dos
cinco grandes discursos de Jesus no evangelho de Mateus, a primeira coisa que
chama a atenção é o fato de que Jesus começa a falar não de qualquer lei e sim
da felicidade e da bênção divina na vida das pessoas. De fato, se pode traduzir
bem-aventurados por felizes, embora as bem-aventuranças sejam mais do que
apenas sentimento interior de felicidade. Bem-aventuradas são as pessoas abençoadas,
ou “aquelas às quais Deus atesta a sua aprovação”, como comprovam exegetas como
Michael Crosby[1].
Neste sentido, o saudoso irmão Reginaldo Veloso tinha razão quando, no seu
cântico, mesmo com o risco de cair na banalização, traduziu as bem-aventuranças
por “Parabéns”, um parabéns dito diretamente por Deus. Na mesma linha, para
compreender mais profundamente a palavra de Jesus, André Chouraqui traduziu o
grego do evangelho para o idioma hebraico. No comentário sobre Mateus, traduz “bem-aventurados” pela expressão “Para frente”, tradução que também
Jean-Yves Leloup adota[2].
A segunda
observação que se pode fazer sobre este evangelho é que Jesus fala à multidão.
O evangelho explicita que se trata de gente vinda de várias regiões e culturas
diferentes. Assim, desde o começo, Jesus deixa claro que Deus aprova e confirma
pessoas das mais diversas culturas e religiões. As pessoas bem-aventuradas são
todas as que são pobres assumidas ou seja que vivem a pobreza como classe
social, as pessoas que choram, que têm fome, que são pequenas e sem poder, as
pessoas perseguidas por causa da justiça. As pessoas que promovem a paz. Em
nenhum lugar, Jesus fala de pessoas muito religiosas ou devotas.
A Igreja lê hoje
este evangelho na festa de todos os santos e santas porque acredita que
bem-aventurança é sinônimo de santidade. Se é assim, o critério pelo qual Jesus
chama alguém de santo ou santa parece diferente dos critérios de certa espiritualidade
católica ou protestante. Pelo que vemos neste evangelho, os santos e santas não
são, antes de tudo, santos da Igreja. São do projeto divino no mundo. São
santos e santas do reino de Deus. As pessoas que assumem a pobreza, que vivem a
aflição, a fome, as que sofrem perseguições são bem-aventuradas têm sorte, não
porque seja bom ser pobre, passar fome, chorar ou sofrer perseguição. Elas têm
sorte e são bem-aventuradas porque o reino de Deus está chegando e elas vão
deixar de sofrer o que sofrem. A vinda do reino significa a reviravolta total
de sua situação humana. Como diz Maria em seu cântico: “Deus derruba os
poderosos e eleva os pequenos. Alimenta os famintos e deixa os ricos de mãos
vazias”.
Nesta festa de
todos os santos e santas, as bem-aventuranças vêm nos confirmar que santidade
não é apenas virtude individual. É categoria social: Jesus não disse as
bem-aventuranças como caminhos de ascese pessoal e sim como condição social: é
a classe dos pobres, as categorias das pessoas que sofrem. Para elas vêm, em
primeiro lugar, a boa notícia do reino. Como comunidade de Deus. A santidade é
social e política. Nas missas, cantamos no hino do Glória: Só Vós sois Santo,
Jesus Cristo. Essa santidade que é participação na vida divina ele reparte
conosco e nos faz viver como antecipadamente a alegria e a felicidade do reino,
mesmo ainda mergulhados/as na luta e nas dores do mundo.
Jesus proclamou
estas bem-aventuranças para nós completarmos e reconhecermos como
bem-aventurados/as hoje várias categorias que vivem essa profecia do reino e
anunciam o bem-viver do reino desde agora. Sintamo-nos felizes por vivermos
nesta companhia dos santos e santas, os do céu que já partiram e os irmãos e
irmãs com os quais continuamos a luta para testemunhar no mundo o projeto do
Amor Divino.