Fórum Social das Resistências
O centro histórico de Porto Alegre estava novamente cheio de bandeiras. O som dos tambores e atabaques recordava que nesse fim de tarde da 3ª feira, 21 de janeiro, ali se reunia a concentração para mais uma caminhada de religiões tradicionais (afro e indígenas) contra a intolerância religiosa e por um novo mundo possível, na marcha inicial do Fórum Social das Resistências. A chuva que caía, em alguns momentos mais forte e em outros mais leves não conseguiu demover as pessoas que ali estavam, seja de participar da concentração no Largo Glênio Perez, como de fazer a caminhada a pé por vários quilômetros. Um pai de santo animava as intervenções e representantes de grupos sociais, sindicatos e partidos se revezavam em falas curtas e contundentes. Na caminhada noite a dentro, mais ou menos duas mil pessoas tomaram as ruas do centro da cidade. O que era aquele número de pessoas em comparação com os 120 mil do segundo, ou 150 mil do terceiro fórum social, naquele mesmo percurso? Os/as caminhantes de hoje parecem o resto profético que Deus reservou para recordar o seu projeto de justiça libertadora e de esperança social e política que a fé nos chama a viver. São as pessoas que teimam em sonhar e insistem em não ceder à normose.
Nos dias a seguir, quarta-feira, 22, quinta-feira, 23 e sexta-feira, 24, o Fórum Social das Resistências realizou dezenas de oficinas e rodas de conversa em diversos locais da cidade. Antigamente, quando aqui fizemos os primeiros fóruns, contávamos com todo o apoio da estrutura da prefeitura e do Estado. Agora, a prefeitura e o estado estão nas mãos dos inimigos da democracia e do diálogo. Só contamos com alguns sindicatos e associações da sociedade civil. Na manhã da quarta-feira, 22, no auditório da Escola Superior de Teologia dos Capuchinhos realizamos o debate do Fórum Mundial de Teologia e Libertação sobre o sentido e função das teologias da Libertação hoje. Coordenou o debate o frei Luis Carlos Susin e participamos da mesa de debates, o Frei Sinivaldo Tavares, a reverenda luterana Marly Brum e eu. Sinivaldo, com sua competência e simplicidade de sempre, nos ajudou a ver como a teologia da libertação tem a tarefa de desmascarar essa estrutura social de colonialismo e escravidão que continua a nos oprimir. Marly nos apontou isso em relação ao patriarcalismo e como a leitura da fé e da Bíblia a partir das mulheres faz emergir uma nova teologia. Ali, tive ocasião de propor que a teologia da libertação volte a ser uma corrente a partir de baixo e com linguagem e expressão popular.Na manhã da 5ª feira, em São Leopoldo, no auditório central da universidade (UNISINOS), um grande fórum com debate sobre Direitos da Natureza e os Bens Comuns. Em ambos os lugares, lancei o livro Teologias da Libertação para os nossos dias.
Na manhã da 6ª feira, em Porto Alegre, coordenados pelos jovens Darlan Oliveira e Diego Pereira, fizemos uma manhã de diálogo sobre o processo da Ágora dos/as Habitantes da Terra e a preparação para o encontro nos novos economistas com o papa Francisco sobre outro modelo de economia. Luiz Rena (de Betim, MG) orientou o grupo sobre o que é a Ágora e o que propõe e Marcos falou sobre as propostas brasileiras para o encontro do papa Francisco em março com economistas jovens na busca de uma economia alternativa ao Capitalismo.
Amanhã pela manhã, o Fórum se conclui e eu volto para outras atividades. Agradeço a Deus ver que, apesar de tudo, os movimentos sociais e muitos grupos da sociedade civil não desanimam. Tive a graça e o privilégio de ter feito parte da mesa do fórum sobre Direitos da Natureza e os Bens Comuns, junto com Iara Petricovski, grande companheira, mas principalmente com Alice, Guarani e Iracema, Kaingang, ambas índias na cidade e com missão de ajudar e educar a juventude índia que vive em cidades. Elas se definiram como índias sem terra e sem teto... e em um país que é todo originalmente território indígena. Também agradeço a Deus ter podido reencontrar Diego Pereira, amigo uruguaio que tomou um ônibus e veio de Montevidéu para estar comigo e dialogarmos. Agradeço a companhia e o apoio de Darlan que veio de Salvador para participar do Fórum, mas me possibilitou apoio e companhia, principalmente em momentos nos quais fisicamente me senti mais frágil (para subir degraus ou rampas, por exemplo). Agradeço a esses dois irmãos e amigos o cuidado comigo e peço desculpas por ter dado algum trabalho.
Uma ocasião como essa, antes de tudo, proporciona a possibilidade de nos encontrarmos irmãos e companheiros de diversas procedências e que fazem conosco a caminhada de fé e de testemunho de que, apesar de tudo e mesmo contra todas as possibilidades do contrário, a utopia do reino de Deus vem se concretizando em nós mesmos e no mundo. Esse fórum mais uma vez nos confirma no que dizia o comandante Marcos na floresta de Laconda em Chiapas no México: “Nós somos um exército de sonhadores. Por isso, somos invencíveis”.