Meu querido irmão,
Obrigado por me escrever uma mensagem para me corrigir e me chamar de volta à verdade da fé. Só posso agradecer a esse cuidado de amor fraterno e lhe prometer que levarei a sério a sua advertência e parto do princípio que você deve ter razão. Você me censura porque, nos comentários que escrevo e nos textos meus que, por acaso, você lê, sempre encontra o evangelho e a fé interpretados de uma forma que você considera redutiva. Eu estaria reduzindo o evangelho a uma mensagem social e política e a fé a um compromisso apenas de caráter humano e transformador da sociedade. Farei da sua correção fraterna o assunto principal de minha meditação e da minha oração nesse Tríduo Pascal.
Você deve ter toda razão. E eu lhe agradeço porque o outro sempre vê melhor de mim do que eu mesmo me vejo. E se você me diz que sou pecador e estou falhando na minha missão de testemunha da fé de Jesus, isso só pode ser verdade e, por isso, peço perdão a Deus, a você e a meus irmãos e irmãs.
De fato, sua mensagem de poucos dias, não sei porque, só li e reli nessa quinta-feira santa e realmente tem tudo a ver. A quinta-feira santa é o dia que nos chama a uma volta para a intimidade de Deus e para recuperar a intimidade mais profunda da aliança e da fé... De fato, sem dúvida, é pena que justamente, tantas vezes, as nossas Igrejas tenham perdido esse caráter de intimidade que Jesus teve na ceia com seus discípulos e discípulas. Sem dúvida, as palavras mais íntimas, mais carinhosas e ternas que jamais foram escritas na Bíblia estão no evangelho de João, colocadas nos lábios de Jesus no discurso durante a ceia. Jesus os chama de Meus filhinhos, diz claramente Assim como o Pai me amou, eu amo vocês.... E durante quatro capítulos (do 13 ao 17), é uma declaração depois da outra... Cada uma mais íntima e mais profunda.
E tudo isso tem uma preparação. No evangelho de Mateus, os discípulos perguntam a Jesus: Onde o Senhor quer que lhe preparemos a Páscoa? (Mt 26, 16- 17). Você tem toda razão, meu irmão. Quantas vezes, eu cheguei na eucaristia, sem me preparar profundamente. E o evangelho diz que um determinado homem, cujo nome ninguém sabe, o texto não diz, põe à disposição de Jesus uma sala. Basta que escute a palavra: O Mestre te manda dizer: O meu tempo chegou. Quero celebrar a Páscoa com os meus discípulos em tua casa....
Meu Deus, que coisa incrível, esse homem do qual nem sabemos o nome nem quem era dispõe a sala e provavelmente (sendo o dono da casa) participa daquela ceia de Jesus com os discípulos e discípulas (as mulheres que os tinham acompanhado desde a Galileia). Sim, preparar essa Páscoa é em primeiro lugar preparar e dispor a sala interior do meu ser. Como aquela sala que é interior a uma casa de família e que, ao que tudo indica, depois da ceia do Senhor, continuou a ser uma sala de uso cotidiano da família. Será que isso indica que Jesus gostaria que nossas eucaristias fossem assim, como era nas primeiras comunidades cristãs, nas casas e de forma que não se separassem da vida cotidiana? Por que o evangelho colocou a palavra de Jesus sobre a traição de Judas e sobre a negação de Pedro no contexto da ceia? Por que é o que ocorre conosco (o risco de ocorrer comigo mesmo) na Igreja, pelo modo de celebrar e de viver esse mistério? Por que os evangelhos começam e encerram o relato da eucaristia com a entrega. Entrega da vida de Jesus, entrega feita por ele de si mesmo, mas também entrega que Judas praticou ao trai-lo... E a liturgia repete: Na noite em que foi entregue... Será que pela nossa forma de celebrar, temos alguma coisa a ver com essa entrega, que é a tradição da fé, mas às vezes, pode se tornar a traição da fé (como o evangelho diz de Judas)?
Assim como Jesus fez com Pedro ao advertir: Antes que o galo cante, você me negará três vezes.... , será que o galo não canta também nas nossas eucaristias? Será que os padres de hoje são capazes de ouvir o galo que canta advertindo-nos das nossas pequenas ou grandes traições? Será que o papa Francisco ao nos advertir do pecado do clericalismo é um galo que não tem sido escutado? E a homilia do nosso arcebispo na Missa do Crisma pedindo aos padres para olhar os leigos de outro modo, não como meros colaboradores e sim como parceiros da mesma missão e com os quais esses têm de dialogar e valorizar o seu lugar próprio na Igreja? Será que tem alguma chance de ser aceita por padres que procuram e fazem questão dos primeiros lugares no culto, por jovens seminaristas vestidos de roxo como se fossem monsenhores da cúria romana e por um verdadeiro exército de acólitos que me davam a impressão de estarem mais atentos à movimentação entre sacristia e quando apareciam do que em seguir profundamente a celebração? Mas, o compromisso primeiro é eu me olhar a mim mesmo e me interrogar sobre como vivo essa intimidade com Jesus?
O homem anônimo que dispôs a sala de sua casa a dispôs para acolher... Receber gente que ele nunca viu na vida, peregrinos que devem ter chegado sujos dos caminhos desde a Galileia. E aí sim a eucaristia é partilha e as Igrejas primeiras a chamaram partilha do pão. Partilha vivida na tensão da anunciada prisão de Jesus e no anúncio de uma entrega, doação que é de todo o ser (o meu corpo) e da sua intimidade (o meu sangue). Talvez seja por estar pecando ao não ser suficientemente profundo na interioridade que não estou conseguindo ser tão revolucionário quanto Jesus na doação da vida e na radicalidade do anúncio de um reino divino que transforma todas as estruturas do mundo. É nisso que creio e é isso que quero testemunhar. Muito obrigado e reze para que Deus me ilumine nesse caminho ao qual eu também o convido a participar e unir testemunho interior e social. Pela força do Espírito. Amém.