Igreja das Fronteiras, na memória de Dom Helder, noite de quarta feira, 04 de junho 2014
Leituras: 1 Coríntios 13 e Evangelho de João 15, 9 – 15.
Queridos irmãos e irmãs,
O primeiro evangelho de hoje, a partir do qual escutamos uma boa notícia dada por Deus é a vida de Lucinha e esse seu aniversário de 80 anos. Que coisa boa poder festejar 80 anos com o coração e a mente marcadas pela jovialidade e a alegria do evangelho. E essa festa que reúne tantos amigos e toda a família de Lucinha revela uma espécie de colheita. Revela que o segredo dessa vida e de todas as suas lutas tem sido a palavra que aparece como o refrão do capítulo 13 da carta de Paulo aos coríntios e as palavras de Jesus no discurso da ceia transcrito no evangelho de João.
Que bom presente de aniversário, Lucinha, essas palavras de Jesus ditas durante a ceia a seus discípulos e discípulas, naquela noite de Páscoa. Essas palavras não são parte de nenhum discurso público, nem são apenas uma doutrina de Jesus. São palavras carinhosas e íntimas ditas por ele a seus amigos e amigas mais chegados e no momento em que, conforme o evangelho, ele chamou: a minha hora. Talvez, as palavras de São Paulo e esse evangelho sejam tão repetidos que a gente tem a tendência de pensar: Está bem! Chega! A gente já sabe disso.
No entanto, parece que não é verdade. Se, de fato, a gente tivesse incorporado essas palavras em nossa vida, certamente, o mundo seria diferente e a vida seria bem melhor. As próprias Igrejas repetem o tempo todo esse evangelho, mas continuam suas divisões provocadas por brigas de poder, dogmatismo e justamente porque essas palavras de Paulo e de Jesus não foram até hoje suficientemente incorporadas na vida de fé. Uma vez, durante uma conferência do padre Comblin, alguém o interrompeu para dizer: Olha ai fora como está o mundo depois de 20 séculos de Igrejas e de pregação do evangelho. E o padre Comblin respondeu: “É sinal de que até hoje, a proposta mesmo de Jesus nunca foi experimentada, a não ser por alguns poucos excêntricos como Francisco de Assis e outros”. Provavelmente, Lucinha, essa proposta vai ter de ser praticada no mundo, como se fosse em ensaios pequenos e discretos, por famílias como a de vocês e de forma profética e pouco reconhecida.
No Evangelho, Jesus fala em amizade e amor. E liga as duas coisas. Diz que a amizade não é somente a gente simpatizar uns com os outros, não é somente gostar da companhia do outro e sem compromisso. Não. Assim como Jesus fez do matrimônio uma parábola, uma imagem do amor de Deus pela humanidade, na eucaristia, ele fez da amizade uma imagem do amor dele pelo grupo de seus discípulos e discípulas.
Esse evangelho contém uma espécie de teologia ou espiritualidade da amizade. Na sociedade em que vivemos, a amizade parece ser considerada uma coisa meio soft que se tem ótimo, mas se não acontece, não tem muita importância. Para Jesus não é assim. Ele começou o seu movimento com um grupo de amigos e afirmou que a amizade vem do jeito do Pai de amar. Assim como meu Pai me amou, eu amei vocês. E os chamo de amigos. Esse assim significa originalmente “no mesmo movimento, da mesma natureza, assim como no sentido de dentro do mesmo espírito”. O amor do Pai é o amor divino, o amor criador que gera amor onde chega. E faz de nós sua morada. Por isso ele diz permanecei no meu amor. Permanecer é morar. O amor mora na gente e a gente mora no amor. Por isso, nesses dias, invocamos o Espírito do Amor do Pai para que ele venha e faça de nós morada do amor. Um amor que é todo tipo de amor: amor erótico, amor de simpatia, amor de amizade. E parece que a amizade mais gratuita e livre é como o sinal, o sacramento mais forte dessa morada do amor em nós.
Na ceia, Jesus colocou dois critérios para fundamentar essa amizade:
1 – uma confiança de intimidade. Somos amigos porque tudo o que recebi do Pai – os segredos mais íntimos, eu partilho com vocês.
2 – a capacidade de dar até a vida pelos amigos. Uma dedicação mútua que vai até a doação suprema da vida. Ninguém tem maior amor do que quem dá a vida pelos seus amigos.
Cada um de nós é chamado a viver esse caminho como caminho da intimidade do Cristo e como caminho de realização de nossa vida. Na Idade Média, a Igreja chegou a criar um rito sacramental no qual os amigos se prometiam fidelidade à amizade e selavam um pacto de irmandade para toda a vida. Em si esse rito não deveria ser necessário porque a missa deveria ser isso. Cada missa deveria ser celebrada de tal forma que a gente saísse da missa como que com um compromisso de vida e de fidelidade aos amigos e amigas. “Vocês são meus amigos e amigas, diz Jesus, porque a gente tem uma aliança de vida, uma alegria em comum, um bem-querer que é um projeto em comum. O termo hebraico correspondente a amigos significa sócios em uma confraria de irmãos.
Isso é tão importante para Jesus que corresponde no quarto evangelho ao que nos evangelhos sinóticos é o reino de Deus. Todo dia a gente ora no Pai Nosso: “Santificado seja o teu nome. Venha o teu reino”.
No evangelho de João, não tem Pai Nosso. Na oração de Jesus ao Pai (João 17), o que corresponde a esse pedido do Pai nosso é “Santifica o teu nome dando aos meus discípulos a unidade visível. Torna-os um para que o mundo creia”. Isso significa que a unidade dos discípulos, a amizade das pessoas que seguem Jesus é o sinal da vinda do reino para nós. É o começo do céu. Que essa eucaristia signifique isso na sua vida e na vida de todos nós. Parabéns e Deus a torne cada vez mais uma eucaristia viva, parábola do amor divino como amiga e irmã aberta ao universo.