Hora de caminhar,
hora de parar
"Debaixo do céu, há momento para tudo e tempo certo para cada coisa. Tempo para nascer, tempo para morrer. Tempo para plantar, tempo para colher. tempo para construir e tempo para destruir... Que proveito o trabalhador tira de todo o seu cansaço?" (Ecle 3, 1- 9).
Enquanto, na Bíblia, o Eclesiastes, um dos livros
sapienciais, relativiza cada tempo, Jesus propõe que busquemos sempre discernir
o que ele chama de "sinais do tempo presente" e agir de acordo com os
desafios do momento. Nesses dias, o Catolicismo popular faz milhares de pessoas
viajarem de suas casas até santuários como o de Trindade ou do Bom Jesus da
Lapa. A fé faz os fieis superarem todas as dificuldades e deixarem tudo para,
através do gesto de caminhar até o santuário e cumprir sua devoção.
Do mesmo modo que a peregrinação é um dos mais antigos
atos religiosos nas mais diferentes tradições, também o ato de parar as
atividades e fazer greve tem uma dimensão espiritual. As antigas religiões orientais
propõem a quietude e até a imobilidade, como atos proféticos, diante da
agitação e quando não se sabe como reagir às provocações do mundo opressor. Na
cultura judaica, o termo shabbat
designa o sábado, dia sagrado do descanso. Mas, mesmo no hebraico moderno, esse
termo também significa "greve"
como direito sagrado dos trabalhadores.
Os profetas bíblicos sempre se insurgiram contra os que impedem os
trabalhadores de parar quando isso é o direito deles. Se o dia consagrado e os
cultos religiosos não têm como fundamento o cuidado com a justiça e a
preocupação com os direitos dos pobres, eles são idolátricos e fazem Deus
afirmar: "O país de vocês está
devastado, as terras são devoradas por estrangeiros. A realidade é de
desolação. O que me interessa a quantidade dos seus sacrifícios religiosos?
(...) Quando vocês vêm à minha presença e pisam no santuário, quem exige isso
de vocês? Parem de fazer cultos inúteis. Para mim, o incenso é algo nojento. ..
Não suporto injustiça junto com festa religiosa... Quando vocês erguem as mãos
para mim, eu desvio o olhar. Ainda que multipliquem suas orações, eu não
escutarei" (Isaías 1, 7 e 12- 15).
Nesses dias, em todo o Brasil, de uma forma
suprapartidária, os movimentos de trabalhadores do campo e da cidade, centrais
sindicais, pastorais sociais e toda a sociedade civil organizada, concordam que
a realidade que o nosso país enfrenta exige uma reação de todo o povo. Por
isso, planejam mais uma greve geral. É a continuação da paralização ocorrida no
dia 28 de abril, que contou com o apoio de mais de cem bispos católicos, de
várias Igrejas evangélicas e do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs. Nessa
sexta feira, 30, a greve vai parar o país. Milhões de pessoas irão às ruas para
gritar contra as medidas tomadas pelo governo que rouba direitos conquistados
dos trabalhadores e entrega as riquezas nacionais a corporações estrangeiras.
No contexto atual brasileiro, essa convocação para a greve
geral é um apelo para a responsabilidade de todos no destino do país. Ao parar
os trabalhos e mesmo sair às ruas para exigir mudanças na realidade social e
política do país, as pessoas estarão afirmando que, mesmo com toda a anestesia
social provocada pelos grandes meios de comunicação, a preocupação com o bem
comum, o exercício da cidadania e a fraternidade humana continuam vivas.
Conforme o evangelho, quando Jesus entrou em Jerusalém
para celebrar a Páscoa, a multidão de peregrinos o aclamou como o enviado de
Deus para libertar o povo dos seus opressores. A expressão Hosanah que era a
aclamação litúrgica de um salmo podia ser compreendida como o grito:
Liberta-nos! Lucas conta que, ao verem que aquela peregrinação tomava o caráter
de manifestação política nas ruas, alguns
mestres da religião disseram a Jesus para mandar os discípulos e o povo se
calarem. Jesus lhes respondeu: "Se eles se calarem, até as pedras
gritarão"(Lc 19, 40). Certamente, essas palavras de Jesus servem para
descrever a realidade atual brasileira e a responsabilidade de todo o povo
gritar por mudanças. Quem tem fé pode acreditar que o Espírito de Deus que
conduziu o povo bíblico da escravidão a uma terra livre, agora, impulsiona os
grupos sociais e as pessoas que têm fome e sede de justiça para a felicidade de
realizar o projeto divino nesse mundo.