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João Batista e a profecia de um mundo novo

  João Batista e a profecia de um tempo novo

             Na tradição das antigas Igrejas, João Batista é o único santo do qual, além de celebrar o martírio no dia 29 de agosto, celebra-se também e principalmente o nascimento no dia 24 de junho. Sem dúvida, as festas juninas são festejos que vêm de culturas anteriores ao Cristianismo que festejavam o solstício do verão no hemisfério Norte. Assim como a celebração do Sol invencível no solstício do inverno no Norte deu origem à festa de Natal (no século IV), também as celebrações do solstício do verão originaram a celebração do nascimento de João Batista, o precursor do Cristo e que se chamava de "Amigo do Esposo" e Testemunha da Palavra de Deus.

No Nordeste do Brasil e em várias regiões, as festas juninas tomam um caráter semelhante às antigas festas do nascimento do Sol na Europa e correspondem às festas do Inti Raimi, festas do Rei Sol, na tradição indígena dos Andes. Até hoje, por toda a cordilheira da Bolívia ao Peru e Equador, nesta época de junho se espalham essas festas que tinham caráter fortemente religioso em adoração ao Sol e hoje continuam como manifestação das culturas originárias. 

Temos de apoiar essas tradições e ver nelas a inspiração divina de que o Amor Divino vem como fogueira iluminar e aquecer nossas noites de inverno e nos libertar do frio do inverno que pode gelar o mais profundo das  nossas vidas. A festa do nascimento de São João Batista traz para muitas culturas do nosso povo a recordação de nascimentos que representam o início de uma nova aliança  que o Amor Divino vem fazer em nossas vidas.  

  No texto do evangelho de Lucas que conta o nascimento de João, (Lucas 1, 57. 66- 80),  afirma que, quando se completaram os tempos,  Isabel deu à luz a um filho. E todo o texto se centra na discussão sobre o seu nome. E o pai confirma: Ele se chamará João que significa Deus dá a graça. O anjo que anunciou o seu nascimento tinha previsto: Muitos se alegrarão com o seu nascimento.  

  No Nordeste do Brasil, a maioria do povo toma essa palavra do anjo ao pé da letra. Seja pelos festejos de mudança de estação, que nos legaram a fogueira, os fogos juninos e as danças características deste tempo, seja pela importância do profeta João Batista para a fé cristã, o povo vive em junho algo do que, no mundo inteiro, se celebra o Natal: a alegria da luz.  De fato, originalmente na natureza, essas festas juninas são marcadas pelo solstício do inverno (o sol que ressuscita e recomeça a nos dar dias mais longos e luminosos). E no Cristianismo, o nascimento de São João Batista significa um solstício dentro do coração da gente: ele anuncia o nascimento do Sol da Justiça que é o Cristo. 

  Para o quarto evangelho, João é o amigo do Esposo que se alegra com a vinda do Esposo. Trata-se da alegria messiânica, uma alegria radical, mesmo no meio das dores da vida, a alegria que antecipa a vitória da salvação, ou seja, da libertação definitiva e revolucionária da vida e do universo. Essa subversão divina é profetizada por dois sinais familiares que parecem milagres e o são em um mundo onde nada é gratuito.

 Deus faz a mulher estéril dar à luz e assim iniciar o tempo novo da salvação. No primeiro testamento, várias das grandes matriarcas do povo de Deus foram apresentadas como mulheres estéreis: em primeiro lugar, Sara, mulher de Abraão. Também Raquel, mulher de Jacó. Também, a mãe de Sansão e ainda Ana, mãe de Samuel entre outras figuras. O salmo 113 diz: “Deus torna a mulher estéril mãe feliz de muitos filhos e filhas”. Em um mundo no qual a esterilidade da mulher era sinal de maldição e era instrumento de marginalidade, Deus mostra a sua misericórdia ao abrir o útero das mulheres estéreis. Em hebraico, a compaixão divina é rahamin e este termo vem de rehém; útero. Isso significa que a compaixão solidária de Deus é o amor uterino – amor de mãe que se revela ao abrir o útero estéril de nossas vidas. O nascimento de João Batista revela em primeiro lugar que Deus renova o seu amor de compaixão, o seu amor uterino pela humanidade. Este foi o primeiro sinal que provoca alegria no nascimento daquele menino.   O segundo é que Deus faz o pai e patriarca que estava mudo falar e profetizar o novo tempo que surge com  esse nascimento. O pai de João Batista era sacerdote e se torna profeta. No entanto, o evangelho sublinha no nascimento a figura da mãe. Ao dar a luz a João (o nome significa Deus acha graça na gente e nos dá a sua graça), Isabel abre o mundo ao Novo Testamento. 

  A  festa de hoje revela que o Espírito nos fala e o reino de Deus já começa, seja quando uma florzinha brota na secura das estradas do mundo,  seja quando duas pessoas vivem o amor, seja em todos os gestos de generosidade humana, empoçada no coração de cada um/uma de nós. Como no evangelho que conta o nascimento do profeta João Batista, o Amor Divino em nós nos faz passar da esterilidade para a fecundidade, da mudez para a comunhão. 

Que Deus abra o útero envelhecido, meio endurecido de nossos corações quando parecemos estéreis e nos faça parir o mundo novo do qual tanto precisamos. Solte nossa língua presa a tantas convenções para dizer: o novo chegou. Somos todos e todas, profetas e profetizas dessa alegria messiânica. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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