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Mãe Stella foi para o Orum

A e- terna caçadora do amor divino

(Mãe Stella foi para o Orum)

As almas das pessoas justas estão nas mãos de Deus e nenhum tormento as tocará. Aparentemente estão mortas aos olhos dos insensatos. Seu desenlace foi julgado como uma desgraça e sua morte como um fim. No entanto, na verdade, estão na paz. (...) A esperança delas era portadora de imortalidade e por terem sofrido um pouco, receberão grandes bens porque Deus as provou e as achou dignas de si. Ele as provou como ouro na fornalha e as acolheu para si” (livro da Sabedoria 3, 1- 6).

 É essa palavra da Bíblia que me vem à mente agora que recebo a notícia de que a querida Mãe Stella foi para o Orum. Depois de uma vida fecunda de generosidade e amor, ela descansou. Todas as pessoas que a conheceram podem testemunhar que, em toda a sua vida, ela sempre foi uma referência de sabedoria humana e de espiritualidade. 

Desde que há mais de trinta anos, a conheci, aprendi muito com ela. Sendo monge, isto é, consagrado à busca da unidade interior e da união com os outros, pude admirar e perceber a totalidade da consagração com a qual ela sempre viveu a sua missão.  A vida da Mãe Stella foi uma bênção divina para todos os que ela gerou no caminho e para tantos que se beneficiaram do axé que ela comunicava. Cada vez que a encontrava, tinha sempre  a impressão de estar diante de alguém que deu à sua vida o sentido de ser portadora das bênçãos divinas para o mundo. Enquanto ela teve forças e foi dona do seu agir, a sua vida era centrada nessa função de ser mãe e prover as pessoas da alegria e do Axé da vida. 

Desde cedo, aprendi que o Candomblé é uma religião muito sábia porque, mesmo mantendo fielmente a tradição dos antepassados (e até hoje pode dialogar com a tradição iorubá na África), adaptou-se profundamente à realidade brasileira e realizou uma síntese espiritual entre crenças e cultos de várias etnias e comunidades para servir aos clãs de africanos e seus descendentes, sequestrados para o Brasil como escravos.  As religiões afro-brasileiras formam um espaço de resistência à dominação. Dão às pessoas um sentido de vida e de liberdade negado, sistematicamente pela sociedade que antes era escravocrata e hoje é capitalista. Por isso, a religião dos orixás possui uma dignidade teológica que se impõe por si mesma. Nela, Deus encontrou esses seus filhos e filhas e eles encontraram a Deus como última força, num mundo sem consolo e futuro.

Mãe Stella sempre foi guardiã dessa cultura, em muitas circunstâncias, ameaçada e até hoje, em muitos lugares, discriminada e perseguida. Para isso, ela soube ser intransigente na defesa da tradição que lhe foi confiada, mas, ao mesmo tempo, aberta ao diálogo com outras religiões, desde que cada uma em sua identidade original.  

Celebrar a vida de alguém como Mãe Stella é recordar tudo o que dela recebemos, mas é também recolher do seu testemunho de vida uma herança para a nova etapa que se segue. A herança que Mãe Stella nos deixa é muito ampla e profunda. Leva a nos comprometer na defesa das tradições culturais e religiosas das comunidades afrodescendentes. E nos chama a reconhecer e defender sempre a Vida nossa, da humanidade e de todos os seres vivos como expressões do amor divino. Hoje, o sistema dominante do mundo preconiza uma mercantilização de tudo, até da vida. A espiritualidade de Mãe Stella nos ensina a resistir a isso e a nos unir a todas as pessoas de boa vontade que sob o teto luminoso do Sol, na comunidade da lua e das estrelas, inspirados por Olorum, lutam contra toda forma de exclusão, prepotência, medo e dominação da morte. Com Mãe Stella, mais uma estrela no céu, cantemos a Vida. Bênção, minha Mãe Stella. Axé.

 

 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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