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Manifesto político de Jesus

                 A cada ano, nesse 4º domingo, as comunidades leem e escutam o capítulo 10 do evangelho de João. Conforme o evangelho, essas palavras de Jesus em uma polêmica contra os chefes da religião foram proclamadas durante uma festa da dedicação do templo de Jerusalém (ver Jo 10, 22). Essa festa também chamada das Luzes, o Judaísmo a chama de Hannuká. É pena que o lecionário corte as palavras de Jesus em três partes para ler cada pedacinho em um ano. Como compreender o que Jesus diz no evangelho desse ano B (Jo 10, 11- 18), sem imediatamente ligar com o que ele diz nos versos anteriores (de 1 a 10)?

Mesmo para mim que sempre procuro ler o evangelho a partir da realidade social e política e acredito que a palavra de Jesus não nos foi dada para ser interpretada em uma linha intimista ou espiritualista desligada da vida real, assim mesmo esse evangelho surpreende. Não conheço outra palavra de Jesus mais subversiva e de conteúdo mais político do que essa. É claro que isso é estranho para quem faz leitura fundamentalista do texto e quando lê pastor, pensa em bispo ou pastor religioso. Hoje, sonhamos com uma Igreja sinodal na qual ministros e fieis se coloquem todos como irmãos e como discípulos e não uns como mestres da fé e outros como clientes ou fregueses do mercado religioso. Mas, além disso, na época de Jesus e nos textos bíblicos, o termo pastor designa sempre a autoridade política: rei ou governante. Claro que essa imagem tão comum no tempo dos evangelhos, hoje, parece inadequada, seja porque nós não vivemos em cultura pastoril e não lidamos com pastor e ovelhas, seja porque não é uma imagem simpática ao homem de hoje. Ninguém quer ser visto como ovelha de um rebanho. Em português, o termo “carneirada” é semelhante a Maria vai com as outras e significa alguém sem pensamento ou vontade própria que se deixa arrastar por outros... No tempo de Jesus, essa imagem de pastor e ovelhas era comum e não tinha essa conotação ruim. Ao contrário, falava do que hoje poderíamos chamar de Política participativa e comunitária. No seu discurso para os chefes da religião, aliados do poder romano, Jesus diz claramente que quem não entra pela porta das ovelhas é ladrão e salteador (bandido; em grego, lestes). Hoje, em nossa realidade, a tradução literal seria golpista. É alguém que tomou o poder pela janela. Não entrou pela porta. Não conhece as ovelhas, nem se preocupa com a vida delas. É mercenário, ou seja, empregado do mercado. Nos versículos anteriores ao evangelho lido hoje, Jesus diz: O bandido (que é o verdadeiro corrupto) vem para roubar, matar e destruir. Eu venho para que todos tenham vida e vida de qualidade, vida em abundância (v 10). É incrível como nos versos do evangelho de hoje, Jesus opõe o verdadeiro pastor e o agente do mercado (mercenário). E descreve o pastor como aquele que conhece as ovelhas e elas o conhecem. E ele dá a vida por suas ovelhas. O agente do mercado não defende as ovelhas do lobo que as devora.

Ao afirmar “eu sou o verdadeiro pastor”, Jesus se apresenta como alguém que tem o poder maior e verdadeiro, não como força coercitiva dos poderes do mundo, mas como energia de amor e comunhão, capaz de ir além dos muros de prisão na qual isolam o presidente Lula. Ele é capaz de sustentar a esperança e a caminhada das comunidades e de parte do nosso povo que não se deixam embebedar pelas mentiras da Globo e da imprensa imperialista. Ele propõe para os que ouvem a sua voz uma espiritualidade libertadora que significa essa intimidade de conhecimento (eu as conheço e elas me conhecem) e essa liberdade interior – ninguém as toma de mim –

Nesse domingo, em que a ONU celebra o Dia internacional do cuidado com a Mãe Terra é, no Brasil, o começo da Semana dos Povos Indígenas. Não há como não lembrar que esses povos e comunidades tiveram a capacidade de resistir à escravidão, aos massacres e a todo tipo de perseguição. Resistiram e venceram, mesmo se frágeis, pobres e feridos. São para nós figuras do Cristo Ressuscitado que nos mostra suas chagas mas é vivo e vencedor. A resistência indígena nos revela que podemos esperar que essa noite passará e a madrugada da libertação e da justiça não tardará. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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