Hoje, nessa manhã de festa natalina, reparto com vocês as palavras que eu disse ontem à noite na Missa de Natal, celebrada na Igreja das Fronteiras, onde Dom Helder Camara viveu por 40 anos e onde ele faleceu. Os textos da missa da noite de Natal são Isaías 9, um texto da carta de Paulo a Tito e o evangelho de Lucas 2, 1- 14. Eis minha meditação com a comunidade que foi participar da celebração:
Palavra de Natal
Diante desses textos tão bonitos e dessas histórias que embalaram nossas vidas e nossas histórias, que palavra poderia resumir a boa notícia que, nessa noite de Natal, Deus nos dá?
Sobre o Natal, o evangelho de Lucas escreveu uma palavra de poesia. Os pastores no campo durante a noite, o anúncio dos anjos, a ida dos pastores a Belém, o fato de que Maria e José mesmo na precariedade de uma estrebaria ou de uma gruta os recebem, tudo isso é uma troca de ternura como sinal de adoração e reconhecimento de algo de novo que se estabelece na terra. De fato, no momento em que Deus une céu e terra na gruta de Belém e revela que está presente na pessoa de uma criancinha pobre, ele se manifesta terno. Os textos de hoje revelam uma espécie de explosão de ternura. A ternura dos pastores ao deixar seus rebanhos e virem visitar o menino que nasceu na estrebaria, a ternura de Maria e José com seu filhinho deitado na manjedoura e a ternura com que acolhem os pastores desconhecidos vindos para ver o menino. Uma espécie de contágio de ternura.
Marco Campedegli, irmão e amigo querido de Verona, na Itália, em sua homilia dessa noite para a sua comunidade de San Nicoló, afirmou: “A palavra desse Natal é a ternura. O Natal é a revolução da ternura”.
O que é realmente a ternura?
Dom Pedro Casaldáliga diz que a poesia na relação humana se alimenta da ternura e que a ternura entre os povos e grupos humanos se chama solidariedade. No Evangelho, a ternura é o amor gratuito e carinhoso que cria amor onde não havia antes amor. Em geral, alguém crescido em um ambiente sem amor, pode se tornar duro por essa falta de amor. A ternura divina quebra essa rigidez e cria amor (ágape) onde antes só havia aridez.
No plano da vida cotidiana, todo mundo sabe o que é um gesto ou atitude de ternura. Em uma escola brasileira, uma professora perguntou a um aluno o que é a ternura. Um menino respondeu: “Se eu estou com fome e alguém me dá um pão, isso é um ato de bondade. Se a pessoa pega o pão e passa nele uma boa camada de geleia é um ato de ternura”. Isso significa que a bondade pode ficar no terreno do necessário. A ternura se move no campo da gratuidade, daquilo que seria inesperado. É o olhar da mãe sobre o filho pequeno.
Todos nós temos capacidade de ternura e temos demonstrações de ternura. Até quem já abafou muito essa capacidade por uma máscara de arrogância, se comove diante de um passarinho ferido ou de uma musica romântica. Mas, no Natal, somos chamados a colocar a ternura como princípio e critério de toda a nossa vida. O Natal é a revolução da ternura porque não propõe somente que a gente deixe a ternura se expressar quando ela é natural. Propõe que a gente crie uma cultura da ternura, uma educação para a ternura social, comunitária, política, mundial.
A ternura diante de uma criança recém-nascida é natural. No entanto, como nem sempre a vida nos traz esses momentos, uma pergunta que Deus nos faz nesse Natal é como anda a nossa flexibilidade para uma ternura mais existencial e permanente como caminho de vida. Será que ultimamente temos nos tornado mais rígidos, mais programados e já não damos mais lugar à ternura? Como tem sido nos últimos dias, nos últimos meses? Quantas camadas de pó estão enrijecendo nossa sensibilidade para a ternura?
Se a gente tivesse uma cultura da ternura, quantos problemas o mundo vive hoje seria diferente? O clima de violência urbana em nossas cidades, as desigualdades sociais que não diminuem no mundo, a destruição da natureza.... são sinais de um mundo sem justiça, mas também sem ternura.
Aqui no Brasil, quem não sentiu durante a campanha eleitoral e principalmente depois um clima que parece fomentar a cultura do ódio e do rancor acima de tudo e não da ternura. A ternura não faz a gente perder o senso crítico, não faz a gente ser de uma ingenuidade infantil.
Há poucos dias, o papa Francisco disse em um discurso que as pessoas não deviam ter medo da ternura. Parece estranho alguém ter medo da ternura. Por que ter medo da ternura? Por que fomos induzidos a pensar que ternura é demonstração de fraqueza ou de carência. Em um mundo no qual o importante é a força, é o poder, a ternura parece uma moeda fora do mercado. Ao contrário, um revolucionário como Che Guevara propunha: “Temos de endurecer, sem perder a ternura!”.
Se essa palavra Ternura tivesse sido reconhecida pela Igreja não como fraqueza, mas como força divina, como seria a Igreja? Estaria ligada aos poderosos do mundo? Algum bispo ou padre aceitaria abençoar exércitos ou armas? Sentar-se-ia em banquetes vendo os pobres vivendo de esmolas?
Alguma coisa começa a mudar quando vemos o papa Francisco escrever a ternura sobre o umbral de sua porta e pedir ternura da cúria romana. Mas, agora, toca a nós. Nós hoje, somos chamados a crer na discreta e doce revolução da ternura, a descobrir que essa palavra que começa não por mim, mas por ti. Te--- ternura.... é o caminho que revela o amor de Deus em nós e que nos faz caminhar cada vez mais para ser divinos como Jesus, sinal e imagem da Ternura do Pai.