Hoje, nas Igrejas orientais, na Igreja Católica e Anglicana é a festa de Todos os Santos.
Quando eu era menino, pensava que era uma festa para comemorar os santos não canonizados ou pouco conhecidos. Só adulto descobri que o todos aí significa a comunhão. É a festa da unidade e comunhão dos santos e santas. Uma comunidade que nós formamos com todos os que estão no céu. Uma comunhão (participação - koinonia) das pessoas santas do céu e da terra, mas também das coisas santas que nós partilhamos. Isso é: o que um tem de bom e de santo serve para todos. São bens comuns. Assim como hoje no mundo lutamos pelo reconhecimento dos bens comuns (a água, o ar, as florestas, etc), na Igreja, o perdão, a paz, a alegria, a contemplação, a palavra divina partilhada, tudo isso são bens comuns. O bem de cada um é bem de todos e favorece a todos.
Nesse dia, 1° de novembro de 1950, no meio de uma das "santas missões" dos padres redentoristas, em Camaragibe, com cinco anos, eu recebi pela primeira vez a comunhão eucarística. E aquele gesto que, naquele momento, compreendia pouco, marcou toda a minha vida. De um modo ou de outro, sentia que, a partir dali eu tinha sido chamado e escolhido para ser uma pessoa de comunhão. Comunhão comigo mesmo, com as outras pessoas, com a natureza e com Deus....
Ainda hoje, quando tenho a imensa graça divina de celebrar a eucaristia (e atualmente faço isso no mesmo altar no qual Dom Helder celebrou por 40 anos e ali ao lado do quarto onde ele faleceu), sempre encho os olhos de emoção e o coração de uma felicidade difícil de explicar. Ao mesmo tempo, peço a Deus que a minha Igreja volte a valorizar mais a eucaristia não a vulgarizando em celebrações automatizadas e mecânicas, reduzindo-a a um sacramento do poder hierárquico, transformando-a em um culto chato e arrogante de dogmatismo e assim por diante. Sonho com a ceia do Senhor, celebrada e vivida como sinal e instrumento de doação da vida e compromisso na mística do reino (do projeto divino para esse mundo).
O evangelho lido nessa festa é a proclamação das bem-aventuranças (Mateus 5, 1- 12). Até hoje, não sei bem como traduzir de forma mais correta essas palavras: tradicionalmente dizem "Bem-aventurados/as". Alguns preferiram traduzir como "felizes", mas há o risco de se considerar as bem-aventuranças como se fosse uma emoção, sentimento ou estado de vida. O padre Chouraqui (judeu católico) traduz como "Para frente" e explica isso. Mas, não pegou muito. Se fosse ligar ao salmo 1, eu diria "abençoado/a". Essas nove bênçãos proclamadas por Jesus sobre as pessoas que sofrem, que não têm poder, que vivem a busca da unificação interior (puros de coração) e que trabalham para fazer a paz, a misericórdia e a justiça, todas essas pessoas recebem a promessa do reino, da vinda do projeto divino no mundo.
Toda minha vida adulta de monge e de padre foi marcada pela mística do reino, essa ânsia dita a cada dia no Pai Nosso: que teu reino venha. Depois de mais de 35 anos em que os últimos dois papas anteriores a Francisco lutaram o que puderam para retomar uma Igreja voltada sobre si mesma e com o monopólio do reino e até de Deus, parece que estamos voltando ao caminho evangélico de uma Igreja pobre, servidora e simples testemunha do reino junto com todas as pessoas pobres em espírito, pequenas, construtoras da paz, misericordiosas, que têm fome e sede de justiça, independentemente de que religião são ou se não têm religião nenhuma, junto com todos esses e essas santos/as de Deus, vivemos desde agora esse testemunho de o império desse mundo passa e o reino de Deus acontece. Amém.