- O administrador astuto (Lc 16, 1 – 9).
A parábola do “administrador astuto” que usa do dinheiro do proprietário para fazer amigos é própria à comunidade de Lucas e não parece ter exatamente um correspondente em outras tradições espirituais, mas há uma história na tradição budista sobre um homem de negócios que privilegiou a amizade e a generosidade com os empregados e outras pessoas. Por isso, foi socorrido quando abriu falência.
Nós que pertencemos às comunidades cristãs populares e a movimentos populares nos identificamos com Lucas ao juntar essa história contada por Jesus com uma parábola budista sobre o problema da riqueza e concluir que é melhor garantir a amizade das pessoas do que optar pelo dinheiro.
Ao comentar essa parábola do administrador esperto ou mesmo desonesto, um comentador de opção socialista dizia: “Vejam como Jesus dá pouco valor aos conceitos capitalistas. Nem liga se o administrador é honesto, ou desonesto. Primeiramente porque o Capitalismo em si é estruturalmente desonesto. Seria o caso de dizer: Quem rouba ladrão tem cem anos de perdão. E em segundo lugar, porque o importante é que o homem soube ser humano e fazer amigos com as riquezas, sejam elas desonestas ou não. Pouco importa.
Alguns comentadores mais estudiosos da história social da Palestina naquela época dizem que os patrões (o tal senhor) moravam na Judéia e os administradores regulavam todos os seus negócios. Costumavam cobrar as dívidas dos arrendatários e meeiros nas terras do patrão. Para cada dívida, cobravam de 15 até 25% a mais como sua cota pessoal na dívida. Dizem esses historiadores que foi a essa parte da dívida que o tal gerente renunciou e mandou os devedores do patrão cancelar. O patrão o elogiou porque ele soube agir com esperteza. Mas, não teria sido, em si, desonesto. Ele “perdoou” a parte da dívida que seria a sua e que essa sim era demasiada e usurária. A parábola em si não esclarece isso, mas é possível.
Um amigo me disse o seguinte:
- É melhor não ler essa parábola em certos círculos políticos de Brasília. Sem precisar de uma parábola como essa, já Sarney, quando era presidente, dizia: “É dando que se recebe...”. Não no sentido da oração atribuída a São Francisco e sim no sentido contrário à prece: Se quiser receber (votos, favores e privilégios), precisa abrir os cofres e de preferência públicos.
- É claro que Jesus não contou essa parábola para ensinar nada aos políticos corruptos, a governos ilegítimos que tomam o poder pelo golpe, nem para falar de leis econômicas ou políticas.
A parábola tem uma linguagem aramaica e com expressões que vêm dos ambientes religiosos de Qumrâm: filhos da luz e filhos das trevas, por exemplo. Jesus chama os discípulos e discípulas a se inserirem no mundo e não a se distanciar dele como os grupos espiritualistas que consideram o engajamento como mau. Jesus até diz que devemos ser tão espertos e sabidos no uso da riqueza como os filhos das trevas. Só não devemos nos deixar enfeitiçar pelo encanto das riquezas. O dinheiro é chamado com o nome de uma divindade fenícia mammona. Chamando-o assim, Jesus está dizendo que o dinheiro é comumente um ídolo. Mas, não é para ser rejeitado e sim usado a serviço da amizade. Uma tradução nova e talvez mais fiel à linguagem original diz no versículo 9: “Acumulem amigos e não riquezas”[2].
Provavelmente essa história era um acontecimento conhecido na época de Jesus. Ele tira da realidade uma lição de vida. E a lição não é que o patrão elogiou a desonestidade do administrador e sim sua esperteza e capacidade de se sair bem de uma situação tão complicada. Ao saber que iria ser despedido, conquista devedores do seu patrão como amigos. É essa esperteza que é louvada e não para se repetir o que ele faz, já que Jesus chama este tipo de ação de “atitude dos filhos das trevas ou de cidadãos do mundo”. O que ele diz aos discípulos é por que vocês não são tão espertos para as coisas do reino de Deus, quanto este pessoal é esperto para o que não presta?
O objetivo de Jesus é perguntar aos discípulos: Por que vocês no campo que é próprio de vocês não agem com a mesma sagacidade e eficiência? A vinda de Jesus provoca uma mudança repentina e radical e a pessoa que a recebe tem de planejar bem as coisas e agir com eficiência para garantir o futuro novo do reino de Deus.” [3].
[1] - Cf. TICH NHAT HANH, A Arte do Poder, São Paulo, Rocco, 2007, p. 24- 25.
[2] - Cf. RINALDO FABRIS, idem, p. 1168.
[3] CARLOS MESTERS, Deus, onde estás?, (Curso de Bíblia), Belo Horizonte, Ed. Veja, 6ª ed. 1983, pp.156- 157