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​Meditação bíblica, domingo, 23 de dezembro 2012

Comecei hoje o dia meditando o evangelho da visita de Maria a Isabel para ir celebrar com as minhas amigas, as irmãs franciscanas de Maristella na chácara Santana em Aldeia. 

Naquele encontro de duas mulheres pobres, ambas grávidas, aconteceu a primeira profecia do Novo Testamento. O Espírito de Deus faz o menino que Isabel tinha no ventre dançar de alegria, como o rei Davi diante da arca da aliança. João pula de alegria diante de Jesus no útero de Maria e esta canta o louvor de todos os pobres e humilhados ao Deus da libertação. O começo de uma nova história, uma espécie de Pentecostes antecipado - manifestação do Espírito - em um contexto de periferia e fora dos ambientes religiosos e sagrados do templo e mesmo das Igrejas oficiais. 

Hoje recebi uma mensagem do meu irmão e amigo Carlos Rodrigues Brandão, antropólogo e assessor dos movimentos populares, que muitos de vocês conhecem. Ele escreveu uma mensagem que quero repartir hoje com vocês: 

Gente amiga de perto e de longe,

         

            Hoje é o dia 21 de dezembro. Como já é tarde da noite e no céu do Solstício de Verão não há sinal estranho algum, começo a crer que o “fim do mundo” não deverá acontecer agora. E, escrevendo a vocês aguardo o que irá acontecer. Ou não.

            Ficarei feliz se o Mundo não acabar agora. Em parte porque estaremos junt@s por mais algum tempo. Em parte porque devo confessar que continuo acreditando que haverá ainda Planeta Terra, e Vida no Planeta Terra, e Seres Humanos na Vida no Planeta Terra no ano 2013. No ano 20.130 também. No ano 200.013 também. E, quem sabe? No ano 2.000.013 também.

            Claro, pode ser que alguém considere estas contagens esperançosamente exageradas. No entanto, esta seria uma boa hora para lembrar  que nossos primeiros ancestrais possivelmente já estariam aqui - preparando o caminho que desaguou em nós - há 3.500.000 anos atrás. Segundo alguns paleontólogos, provavelmente há alguns milhões de anos ainda mais atrás, em direção ao nosso primeiro passado.

            E esta é também uma boa ocasião para pensarmos se não estaríamos ainda “saindo da pré-história”, como querem alguns estudiosos. Eu penso que em parte sim. Gosto de pensar que nós estamos ainda na aurora da história da Vida Humana e humanamente consciente aqui nesta Nave Casa em que viajamos pelo Universo a uma velocidade tão grande... que sequer a sentimos. E, não esqueçamos que outros seres da Vida na Terra também possuem a sua forma própria de consciência. E é bastante provável que o próprio Planeta Terra seja uma forma consciente e viva de Vida, e não apenas de acolhida da Vida.           

            Algumas pessoas sustentam a idéia de que a Espécie Humana teria levado milhões de anos para aprender a falar coloquialmente como falamos agora (às vezes demais, como eu!). E tardamos mais outros milhares de anos para chegar à palavra escrita. Ora, pensem bem. Se nos forem dados mais milhares, ou mais alguns poucos milhões de anos de existência aqui na Terra, nós, os Humanos, poderemos atingir formas e dimensões de um Vida hiper-consciente, trans-amorosa, pluri-transcendente, e espiritualmente iluminada, pela qual vale a pena não apenas esperar, mas fazer tudo o que pudermos, aqui e agora, para entregar viva esta esperança às gerações que haverão de nos suceder. Chegamos até aqui, e podemos ainda seguir tanto caminho para a frente e para cima!

            Podemos acreditar que assim como "nos alçamos" ao símbolo, à palavra, à consciência reflexiva, à cultura enfim, assim também poderemos, se nos estendermos na Terra por mais apenas alguns milhões de anos, atingir com nossas vidas interativas, nossas mente e nossos corações, uma Humanidade bastante mais iluminada e luminosa do que aquela que nos é mostrada em alguns filmes de futuro. Bastante mais humanamente  realizada  do que aquela que talvez exista hoje, profeticamente,  na Vida e na Consciência de alguns poucos seres que ao longo da história nos acostumamos a chamar de: mestres, sábio, gurus, guias, profetas, santos, médiuns, e assim por diante.

            Bom, já que o "Mundo-não-acabou-de-novo" (porque esta história vem de longe!) e já que um ano está por terminar e outro por começar (em apenas um dos inúmeros calendários culturais da humanidade, não esquecer!) quero retomar nesta carta que envio a pessoas amigas a vários anos, a narrativa breve de alguns acontecimentos e a confissão de algumas esperanças.

            Comecei o ano de 2012 vivendo uma vez mais o que me acompanha há décadas. E, como sempre, nunca a sós, mas na companhia de várias pessoas amigas e companheiras. Comecei um vez mais entre as aulas, orientações de pós-graduandas, e a partilha de pesquisas junto à "Geografia da Universidade Federal de Uberlândia". Encerramos mais um projeto de pesquisas de campo, depois da inesquecível longa viagem  da Barca Tainá pelo "Rio São Francisco Mineiro", entre Pirapora e Manga, no ano passado.

            Conseguimos publicar um  primeiro livro resultante de nossas pesquisas coletivas: Cerrado, Gerais, Sertão. E logramos aprovar junto à EDUFU mais outros dois: Viver em Ilhas e Etnocartografias do Rio São Francisco. Eles já estão editados e deverão sair no primeiro semestre de 2013. Mais um pequeno motivo para o mundo não acabar daqui a pouco.

            Estamos encerrando mais um projeto de pesquisas: Beira Vida, Beira Rio. E  mesmo havendo anunciado a Deus e ao Mundo que a partir de 1 de dezembro e até 1º de março eu estaria em "tempo sabático", tudo indica que vou "virar o ano" às voltas com o "relatório final" de mais este projeto. Que seja!

            E nestes anos de "outono da vida de professor", de fato uma das mais fecundas e festejantes alegrias tem sido a partilha de trabalhos de pesquisas junto a comunidades tradicionais nos sertões de Minas Gerais, com nossas mesmas e novas equipes de estudantes e de professoras(es). O projeto: Travessias - Museu da Pessoa do Sertão está em pleno e feliz andamento!

            Do "outro lado da vida" (mas nunca tão distante do "lado docente" assim)) vivi de novo com outras gentes a partilha de incontáveis trabalhos e momentos de encontros ao redor da Educação Popular e das ações sociais junto a educadores e a movimentos sociais populares. Com alguns destes companheiros de décadas de vida e ação social, participei de celebrações de fecunda longevidade. Os 90 anos de D. Tomás Baldoino e de Jether Pereira Ramalho. a véspera dos 80 anos de Osmar Fávero. Pessoas guias de minha vida e "companheiros de caminhada" como Paulo Freire e Vera Jaccoud que nos deixaram e seguem à frente, Rubem Alves, Joel Pimentel Ulhoa,  e tantas e tantos outros que agora beiram, um pouco adiante de mim, as oito décadas de vida. Todas e todos de pé... e a caminho!

            Pensei muito em encerrar logo no começo desta década tanto a "vida de professor", quanto a de "militante da educação popular". Não consegui fazer isto até agora, e me alegro em saber que por certo também não conseguirei nos anos próximos.       

            Entre um número quase incontáveis de viagens de encontros e de trbalços em todos os cantos do Brasil, uma vez mais revivi a mesma experiência de tantos anos atrás. O conviver momentos da vida e seguir aprendendo com as gentes do povo a quem sonhamos dedicar ao longo destes anos todos o melhor de nossas vidas. Agora, bem mais velho, reconheço sem qualquer dúvida que é destes homens e mulheres que me chegam as lições mais essenciais de nossas vidas. E é deles que uma vez mais nos chega a força para seguir em frente.

            Vivi de novo isto, tanto entre os povoadores de ilhas e barrancas do rio São Francisco, como em outras pelo menos quatro ocasiões que desejo relatar aqui. A primeira foi no Encontro com educadoras e pessoas de comunidades da "Região do Brejo" na Paraíba, junto à Escola do Carmelo, em Bananeiras. A segunda de novo na Paraíba, no mesmo "Semi-Árido Paraibano" (e debaixo de um tempo de seca arrasadora), em um encontro entre educadores, agentes de ação popular e mulheres e homens agricultores orgânicos em Lagoa Seca. A terceira foi aqui em casa, em Campinas, no re-encontro com José Moreira Coelho, lavrador e militante, artista e  compositor de Goiás. Eu o conheci em um 1964, e renovo uma esperançosa energia cada vez que o reencontro ao longo destes anos todos. A quarta foi no inesquecível encontro na Cidade de Goiás para a celebração dos 90 anos de D. Tomás Baldoino. Nele, como em tantos outros momentos ao longo destes tempos, foram as mulheres e homens dos assentamentos e acampamentos da reforma agrária, espalhados ao redor da Cidade de Goiás, as pessoas que não só trouxeram a música que cantamos, mas que deram o tom do que vivemos.

            A ROSA DOS VENTOS cumpre 18 anos de partilha e acolhida neste carnaval de 2013.

            Alguns espaços novos foram recriados por lá, para podermos abrigar encontros maiores e com mais pessoas. Foi uma alegria inesperada terminar o ano com um Encontro do MOVA-BRASIL.

            Estamos reativando o nosso Grupo de Estudos do Tao. Irene, Sandra, Alessandra e outras pessoas ativam o Rosa Zen, e fecundas reuniões, encontros e momentos de vivências de Constelação Familiar foram vividas neste 2012. Estaremos reativando também o Centro Mutirão de Economia Solidária e Educação Popular,  e já  sonhamos com o retorno e mais um Curso voluntário de formação de educadoras(es) de Caldas.

            Teremos Natal com casa cheia, e a Passagem do ano com a Rosa dos Ventos lotada. Quem ainda quiser vir e não reservou lugar, que traga barraca e colchonete. Depois dos "Festejos de Santos Reis", ou seja, depois de 6 de janeiro, retomaremos os nossos mutirões de "Harmonia da Rosa". Há uma proposta de ecologizar todos os espaços, da porteira até a "Casa da Mata".

E também em janeiro-fevereiro estaremos "tocando em frente" o Leilão das Araras Grandes, em nome de Josino, Márcia e Ana Terra. Contamos com a ajuda toda a gente de perto e de longe.

            Dércio nos deixou, e sua partida foi a grande tristeza de nós todas e todos. Por toda a parte convivemos com a sua lembrança e o som das músicas, que em boa medida sempre foram alguns dentre os sons mais queridos na Rosa dos Ventos.

 

            Sem sequer um raio e um trovão, uma suave chuva silenciosa cai sobres as árvores, casas e pedras de Campinas. Passa um pouco de meia-noite. Espio a noite e posso garantir que nem o Mundo terminou, e nem coisa alguma de inesperado aconteceu, a não ser a chegada desta mais do que esperada chuva que marca o Solstício do Verão.

            Já que "o mundo não acabou", o que vocês acham de terminarmos o ano nos unindo para acabar com algumas coisas no mundo?  Deixo com vocês algumas sugestões. E ao invés de sugerir aqui algumas grandes causas, prefiro lembrar alguns "acabamentos" que podem começar dentro de nós, entre nós e através de nós.

 

            Se "o mundo não acabou", o que é que nós podemos começar a fazer acabar em nós, entre nós e... no Mundo?

 

1º. Podemos começar a acabar com o medo, em favor da coragem de ser, de partilhar a vida e de viver.

 

2º. Podemos começar a acabar com a desesperança, em nome da esperança em que de nós próprios, de nossas mentes e corações, de nossos atos de luta por "um outro Mundo possível" e de nossos gestos solidários, daria  para começar a acreditar            não tanto em "mim mesmo" (estamos afogados em falsos endeusamentos do Ego), mas em Nós. Melhor ainda, em círculos amorosos e  ativos de "Entre-Nós".

 

3º. Podemos começar a acabar com a inércia, em nome de um "sair de si" e - de um modo ou de outro - saber unir-se a outros,            e seguir em frente. E tomar em e entre nossas mãos pessoais e coletivas os nossos próprios destinos, e o destino de nosso próprio Mundo.

4º. Podemos acabar com o desconhecimento (muita informação, pouco saber e tão rara sabedoria!), em nome de um esforço crescente de busca de saber genuíno, de consciência, de clarividência mesmo, num enfrentamento diário e solidário contra o trabalho insidioso deu ma multi-midia, que a cada        dias mais ameaça colonizar tudo o que temos para aprender a pensar, a agir, a construir e a ser, afinal.

 

5º. Podemos acabar com o individualismo, que sob os mais sedutores e perversos disfarces  nos ameaça colocar sutilmente uns contra os outros, quando poderíamos estar a todo o momento e em todas as situações de cada dia reaprendendo que a nossa vocação humana é a reciprocidade, a gratuidade, a generosidade, a partilha, o sair-de-si em busca do outro. O amor, enfim!

 

6º. Podemos acabar com o competitivismo produtivista e  consumista que constituem o chão e o telhado do sistema capitalista neo-liberal que nos é imposto, que nos desumaniza em todas as dimensões de nossas vidas e que, ele sim, e seus desdobramentos, poderão nos levar a um inevitável "fim do mundo". Pelo menos o fim de um esperançoso e fraterno "mundo humano".

 

            Nos primeiros dias deste dezembro eu estive na Argentina. Estava em um encontro entre jovens estudantes e pesquisadores da Universidade de Buenos Aires. Uma de nossas reuniões finais foi no anfiteatro da Facultad de Letras y Filosofia. Na grande parede oposta ao lugar onde eu estava, havia uma quantidade enorme de fotografias com alguns dizeres sob cada uma. Em um intervalo eu me levantei e percorri lentamente a parede, do começo ao final. Ali estavam os rostos de jovens, moças e rapazes, assassinados ou desaparecidos durante a ditadura militar. Seus rostos, suas idades, seus cursos universitários e  data real ou presumível de suas mortes. Eram mais de quatrocentos rostos. Mais de quatrocentas vidas!

            Dias mais tarde, eu estaria na Cidade de Goiás. E lá, entre os festejos dos 90 anos de D. Tomás Baldoino, nós iríamos também lembrar os rostos e os nomes de nossos mortos. Em um painel bem menor, mas igualmente doloroso, lá estavam os rostos de outras pessoas que um dia souberam oferecer nada menos do que suas vidas, em nome de alguma coisa em que acreditavam.       

            Na parede em frente à dos nomes e retratos em Buenos Aires, havia um painel com um trecho de um escrito de Eduardo Galeano. Em um ano em que alguns amigos queridos partiram e outros festejaram suas mais do que oito décadas de vidas e de bons combates, eu gostaria que as palavras escritas a mão numa parede concluíssem esta carta, já longa demais.

 

            Temos um excelente passado pela frente.

          Para os navegantes com sede de vento

          a memória é um porto de partida.

 

            Tenhamos um Natal feliz e partilhado.

            Saibamos fazer juntas e juntos de 2013 o ano feliz e fecundo que esperamos viver!

           

            abraço vocês com ternura,

 

            Carlos Rodrigues Brandão

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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