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​Meditação bíblica, domingo, 28 de julho 2013

Reparto com vocês o comentário que no meu livro "Boas notícias para todo mundo" (Conversas com o evangelho de Lucas), faço sobre o evangelho lido hoje nas comunidades católicas e anglicanas (Lucas 11, 1 - 13): 

Os rabinos antigos diziam que é perigoso a gente querer “explicar” uma oração. A relação amorosa se expressa de forma afetuosa. A oração não pode ser reduzida a um conjunto de fórmulas conceituais. Trata-se de um estado do ser, de um modo de relacionar-se com amor e abertura interior. Santa Tereza dizia: “Orar não é falar, não é pensar. É amar”. Em muitas religiões a oração está ligada ao respirar, à quietude, o se colocar diante de Deus com humildade. No Cristianismo oriental e também hoje no Ocidente, a prática hesicasta da Oração do Coração, através da repetição de uma invocação simples como o nome de Jesus, ou uma palavra como “Marana-tha!” (“Vem, Senhor, vem!”) tem ajudado muita gente. A oração conhecida como o Pai Nosso, mais do que uma fórmula de oração, é uma escola de oração. É como um padrão, um jeito de situar-se diante de Deus.

O mais importante, então, não é a recitação da fórmula e sim o espírito em que ela nos induz. O que podemos fazer é compreender o contexto histórico em que Jesus a ensinou e o que cada pedido evoca na vida da gente e do povo. O contexto é indeterminado: “Certo dia, em certo lugar...” Ao que tudo indica, é uma oração que procede do próprio Jesus histórico. Essa oração foi transcrita tanto pelo evangelho de Lucas, quanto pelo de Mateus. Parece que Mateus conservou a versão mais original, de estilo mais aramaico. A Didaké, documento cristão do primeiro século, repete a versão de Mateus[1]. Os termos parecem mais ligados à língua aramaica do que ao hebraico. Isso é um indicio de que o texto é mais antigo (J. Carmignac e S. Schulz). A Didaké manda recita-la três vezes por dia (Did 8, 3).

 A primeira coisa que chama a atenção é o modo carinhoso e íntimo com o qual se dirige a Deus. Raramente, o primeiro testamento chama Deus de Pai (Is 64, 7; Ml 1, 6; Sb 14, 3, Eclo 23, 1; 3 Mac 5, 7; 6, 3). Em Qunram, uma oração começava dizendo: “Abi”, meu Pai (R. Brown). “Abba” é o diminutivo carinhoso: “paizinho”. Lucas transcreve não “Pai Nosso”, como Mateus, mas simplesmente “Pai”, correspondente ao hebraico Abba, paizinho.

O Pai Nosso é uma oração de estilo e conteúdo hebraico, embora possa ter sido orada e ensinada na linguagem comum da Galiléia, o aramaico. É uma oração íntima e direta a Deus. Não tem nenhuma solenidade litúrgica, nem estilo rebuscado. É como um diálogo simples e direto.

 Jesus chama a Deus de pai. Poderia tê-lo chamado de Mãe. De fato, a cultura de Jesus era patriarcal. Deus não é em si nem pai nem mãe. A ternura e o cuidado providente que estão expressos neste termo carinhoso que Jesus usa, “Abba”, inclui tudo o que o melhor pai ou uma maravilhosa mãe é para seus filhos. Então, não é errado nem fora de propósito chamar Deus de mãe. O mistério divino tem um aspecto que é expresso melhor chamando Deus de “Paizinho” e tem outro aspecto que merece a expressão feminina materna. Na língua da Bíblia quando se diz que Deus é compaixão, está se dizendo que é “amor uterino”. Muitas vezes, Jesus usou essa expressão quando orava os salmos ou lembrava o Deus do Êxodo (Ex 34, 5). No fundo, nós, discípulos e discípulas de Jesus, podemos dizer que toda maternidade e feminilidade tira sua origem de Deus (Cf. Ef 3, 14- 15). A especificidade feminina reflete uma realidade também divina.

- Em alguns manuscritos antigos, existe uma variante da oração no versículo 2 que diz “Faze vir o teu Espírito Santo sobre nós e que ele nos purifique”. Como a maioria dos manuscritos antigos não contém isso, não se guardou essa versão. Mas, baseados/as nessa oração, muitos cristãos e cristãs no Oriente têm o costume de, diariamente, ao acordar, orar uma mantra que diz assim: “Pai , pelo teu Filho, nos dá o teu Espírito”. É o Espírito que nos traz o Reino.

O que, de fato, pede essa oração que Jesus ensina? O que ele nos ensina a pedir a Deus? O reino! Que venha o teu Reino. A santificação do nome na Bíblia, a garantia de ter o alimento diário e o perdão são conseqüências da vinda do reino de Deus. 

A segunda parte da oração pede o pão de cada dia para nós. Há uma alusão à partilha. O texto original, pedindo nossa “parte de pão” pede o direito de partilhar, de repartir, isto é, de comer da mesma mesa. Deus é o pai ou a mãe de família, em cuja mesa nós comemos cada dia e o que pedimos é que ele não nos deixe de fora dessa partilha da mesa comum. Dá-nos a graça de continuar partilhando da tua mesa. E para receber a parte de alimento. Quem come da mesa de Deus reparte a comida (o pão) uns com os outros. O texto pede que Deus seja fiel cada dia (Mateus tinha pedido para hoje). Como a cruz a carregar, de cada dia, mais do que só a de hoje.

Em geral, as orações costumam começar pelo presente e depois terminam pela esperança do futuro. Essa oração ao contrário começa pela vinda do Reino e pelo futuro (“Santificado seja o teu nome, venha o teu reino...) e termina pelo tempo presente (Dá-nos o pão de cada dia. Perdoa-nos...).

Quando fala no perdão, Lucas muda dívida em pecado (no grego, amartia: falta). Antigamente, nas Igrejas,  a gente orava “perdoa nossas dívidas”, como diz Mateus. A partir de uns anos, passamos a substituir “dívidas” por “ofensas” que é mais amplo. Lucas seguiu essa mesma necessidade de “espiritualizar”. Mas, é bom lembrar que, provavelmente, Jesus usou o termo “dívidas” mais concreto e até econômico, o que também não exclui dívida moral, dívida afetiva e assim por diante. Muitas vezes, quando oro na eucaristia ou nas celebrações o Pai Nosso, me lembro de que nas liturgias do Oriente, as comunidades costumam se dar o abraço da paz (rito de reconciliação) antes de orar o Pai Nosso.

    

- Nessa oração, tudo é dirigido ao “Abba” (Paizinho/ Mãe de compaixão). A oração não diz uma palavra sobre o Filho. Jesus não fala de si mesmo. Atualmente, quando a gente conversa com cristãos sobre o macro-ecumenismo ou diálogo inter-religioso, é comum a pergunta sobre a especificidade da salvação trazida pelo Cristo. “Como reconhecer uma ação de Deus em outras religiões, sem referência explícita ao Cristo?” Penso que uma boa resposta é a própria oração que Jesus nos ensinou. Não é uma oração especificamente de cristãos. Nela, nada impede de ser orada por pessoas de quaisquer outras religiões que aceitem relacionar-se com Deus como alguém amoroso. Pode ser dita por todos os povos.

– Conversa sobre oração (Lc 11, 5 – 13)

O Evangelho comenta o Pai Nosso explicando com duas pequenas parábolas qual deve ser a atitude do discípulo ou discípula quando ora a Deus.

1 - A parábola do amigo importuno

2 – A parábola do pai ou da mãe a quem um filho ou filha pede um pão.

A parábola do amigo que chega em hora inoportuna e incômoda supõe uma situação de emergência. Ela acontece no contexto do Oriente antigo, onde as pessoas dormiam todas juntas em uma espécie de giral coletivo. Para alguém se levantar e atender à porta, acordava todos os outros. Por outro lado, para aquela cultura, a hospitalidade e o acolhimento são atitudes fundamentais e prioritárias. Jesus insiste de um lado, na pobreza e carência de quem pede movido pela hospitalidade que é sagrada (A pessoa não tem nem um pão com que receber alguém que chegou em sua casa) e do outro, o dono ou dona da casa, na situação de um amigo importunado em uma hora inconveniente. Hoje, vivemos em um mundo no qual mais de um bilhão de pessoas representa este pobre que bate à porta do amigo pedindo um pão à meia noite. E de fato, há pressa em atendê-lo porque a fome não espera. A minoria das pessoas que passa bem e está em casa tranqüila parece hoje menos disponível a ajudar as pessoas que precisam do que o protagonista do evangelho, do qual Jesus diz que se não atender o outro por amizade, o atenderá, ao menos para se ver livre daquela situação inesperada.

O problema dessa parábola é a gente pensar em Deus como aquele/a dono ou dona da casa ao qual nossa oração importuna. Como dizer que Deus nos atende não por amor e sim para que o deixemos em paz? Prefiro pensar em Deus de modo diferente disso.

 Jesus tem tal intimidade com o Pai que o compara com uma situação humana assim bem do dia a dia do Oriente antigo. Mas, não podemos fazer essa imagem de Deus. O importante é compreender o apelo a uma oração insistente. Vejam a outra parábola a do próprio pai ou mãe ao qual o filho ou filha lhe pede um pão ou um peixe. Por isso, Jesus insiste: “Peçam e lhes será dado. Busquem e acharão; batam e lhes será aberto; 10 pois quem pede, recebe; e quem busca acha e toda pessoa que bate, a porta lhe será aberta. (O verbo no passivo é para evitar usar o nome de Deus. Ele nos dará. Ai Jesus diz: lhes será dado, será aberta, etc. É um dos sinais de que este texto vem mesmo do Jesus histórico. E aí o pedido de quem é crente é o próprio Espírito Santo.

Santo Agostinho comentou o salmo 36 dizendo que conhecia pessoas que pediam a Deus muitas coisas, mas conhecia poucas que pediam não algum dom e sim o próprio doador dos dons: o Espírito e é isso que Jesus nos ensina.

Em seu diário, o irmão Roger Schutz, fundador e primeiro prior da comunidade de Taizé na França, escreveu: “Um jovem me pergunta o que pode para ele significar a oração. Começo por lhe dizer: ´Não procure uma resposta que deixe de lado a parte humana. Quanto a mim, não saberia orar sem o corpo. Não sou anjo. Não me queixo disso. Em certos períodos, tenho consciência de orar mais com o corpo do que com a inteligência. Uma oração simples que experimento é dobrar os joelhos, prostrar-se, olhar o lugar onde se celebrará a eucaristia, o uso do silêncio tranqüilizante e mesmo dos ruídos do vilarejo. O corpo está aí presente para ouvir, compreender, amar. Por que dispensá-lo?”[2]. 

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[1] - JOHN MEIER, Jesus, um Judeu Marginal.  Penso que a tradução brasileira não completou ainda os três tomos. Ver versão espanhola, tomo II, 1, Navarra, Ed Verbo Divino, 1999, p. 359.

[2] - IR. ROGÉRIO, PRIOR DE TAIZÉ, Que tua Páscoa permaneça para sempre, São Paulo, Ed. Paulinas, 2ª Ed. 1976, pp. 31 – 32.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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