O evangelho desse domingo é a parábola do dono de terras que arrenda sua fazenda a lavradores e esses se apossam da terra (da vinha). Os evangelhos contam isso como uma parábola de Jesus na qual ele enfrenta os poderosos de Jerusalém, sacerdotes do templo, juízes do povo, etc. Mateus 21 a coloca depois de várias controvérsias de Jesus com seus adversários.
Tenho dificuldade com essa parábola, desde que no início da década de oitenta, ela foi usada pelo Coronel Curió, da polícia federal, contra uma pequena comunidade do Araguaia (sul do Pará). A polícia havia prendido de forma ilegal (sem ordem do juiz) dois padres e vários lavradores. A população estava apavorada. À noite, na hora do culto, os policiais reuniram o povo na Igreja e alguém leu essa parábola. O comentário foi de que eles (policiais da ditadura) estavam cumprindo essa palavra: punindo os lavradores que queriam se revoltar contra o dono da terra.
Se eu pudesse refazer algumas dessas parábolas do reino, tentaria mudar essas que parecem falar de Deus como se ele fosse um patrão, ou senhor de escravos e legitimador de um sistema social opressor que a gente sabe que Deus não aprova. Além disso, um Deus vingativo e cruel que esmaga os seus inimigos.
De fato, sabemos que não foi isso que Jesus quis: dar essa imagem de Deus. Provavelmente, Jesus tirou muitas dessas histórias que ele conta das coisas que aconteciam no cotidiano da vida. Como se, hoje, tirássemos as parábolas dos jornais do dia. No caso desta, ele toma o fato ocorrido e, à luz da alegoria na qual o profeta Isaías diz que a vinha do Senhor é o povo de Israel (Is 5, 1- 7), Jesus constrói mais uma alegoria.
Alguém pode replicar que o senhor dessa história não é como um capitalista que mora na cidade e tem uma terra no campo. Ele planta pessoalmente a vinha, a rodeia com uma cerca e constrói uma torre para protegê-la dos ladrões. É a mesma imagem usada em Isaías 5: “Meu amigo tinha uma vinha, ele mesmo a plantou, cercou com uma cerca…” . Aqui, a vinha não é o povo de Israel. Jesus mudou a alegoria de Isaias. Agora a vinha é o reinado divino no mundo, ou seja, o projeto de Deus no meio da nossa realidade. Para Jesus, os dirigentes do templo que oprimem religiosamente o povo seriam o grupo dos lavradores que mataram os enviados. O proprietário ama a vinha. Jeremias já havia dito: “Desde que os pais de vocês saíram do Egito até hoje, vos enviei os meus servos, os profetas. Mas, vocês não quiseram escutá-los” (Jr 7, 25- 26).
Essa alegoria do evangelho retoma isso: primeiramente Deus mandou os profetas e os lavradores mataram, ultimamente mataram o próprio Filho. Os chefes religiosos dos judeus queriam apoderar-se da vinha no sentido de que não aceitavam o projeto universal do Senhor. A parábola se conclui dizendo: “esta lhes será tirada e será dada a outros que a façam frutificar”.
Temos de tomar dois cuidados para não interpretar essa história de modo muito errado:
1 - O primeiro é o cuidado ecumênico. Sofro quando penso que, nesse domingo, a maioria dos padres e pastores estarão pregando que os lavradores assassinos dessa parábola era o povo de Israel. Assim, se mantém o preconceito e ódio anti-semita que foi responsável por tantos sofrimentos do povo de Israel (que nada tem a ver com o atual Estado de Israel que faz sofrer os palestinos).
2 - O segundo cuidado é não identificar Deus com o proprietário de terra. E aí a parábola é ambígua. É como se fosse e não fosse. Assim como o proprietário de terra da história, Deus enviou os profetas e enviou o seu Filho, sim... E a advertência de Jesus e do evangelho é assim como o tal proprietário de terra da história que não era Deus exterminou os lavradores assassinos e arrendou a sua vinha a outros, como vocês podem imaginar que Deus vai agir??? E a história acaba aí. Não diz que Deus faz isso. Adverte os religiosos do tempo de Jesus para eles não criarem mais obstáculos ao projeto divino e assim não serem deixados para trás.
A parábola não é uma ameaça. É uma advertência. No caso de Deus, quem morreu não foi os tais lavradores assassinos, quem morreu foi o próprio Jesus. E, nessa história, o evangelho interpreta a paixão de Jesus a partir do salmo 118. Ele é a pedra angular da construção, fundamento da vinha que estes novos lavradores (a Igreja) devem fazer frutificar.
Nesse domingo de eleições presidenciais e estaduais no Brasil, poderíamos alargar a parábola e dizer: temos de votar em candidatos que saibam, não ser donos ou proprietários do seu mandato e sim administradores fiéis a serviço do povo.