Nesse domingo, no Brasil, a Igreja Católica antecipa a celebração da Epifania = manifestação do Senhor, festa que tradicionalmente se festeja no dia 06 e o nosso povo chama "festa dos reis magos". É a mais antiga celebração do Natal. Existia como festa antes de haver a do dia 25 de dezembro. Nas Igrejas Orientais, se chama "Teofania" e celebra especificamente o batismo de Jesus que nossa Igreja transfere para o próximo domingo.
No Ocidente, a celebração dessa festa é centralizada no evangelho que conta a visita dos magos ao menino Jesus. Magos são pessoas ligadas a espiritualidades do Oriente.
Ao contar essa visita dos magos a Jesus Menino, o evangelho não quis narrar um relato histórico ou um fato jornalístico. Quis mostrar que, desde criança, Jesus se abre aos outros povos e culturas. E Mateus fez isso comentando textos bíblicos como Isaías 60 que é a primeira leitura da missa de hoje, o salmo 72 que a Igreja canta nessa festa e a profecia de Balaão (Nm 22- 24). Mateus os comenta como os rabinos faziam contando histórias (targum) e, assim, nos presenteou com esse relato tão bonito.
O poema do discípulo de Isaías (Is 60) que lemos hoje como primeira leitura nas celebrações e talvez mesmo o salmo vêm de uma época na qual Jerusalém estava sendo reconstruída. Os recursos eram pobres e, em comparação ao que Jerusalém era antes de ser destruída pelos babilônios, agora parecia uma aldeia. Mas, mesmo nesse contexto de pobreza, um profeta, discípulo de Isaías, vê o sol nascer sobre a cidade e proclama a promessa de Deus de que um dia, Jerusalém será luminosa e cheia de glória e os reis das nações a ela acorrerão trazendo presentes. Num contexto de sofrimento e de revalorização da identidade do povo pobre, aquela visão nada tinha de etnocentrismo. Era universalista. Aplicando essa profecia aos magos que vêm homenagear a criança pobre que nasceu em Belém, vocês a tornam mais universal ainda. E de certa forma, a deslocam porque mostram que ela se realiza não no centro, em Jerusalém, mas justamente na periferia. Agora a aldeia pobre é Belém que, como diz o evangelho, é a menor das aldeias de Judá, mas não é a menos importante... porque Deus escolheu o que, aos olhos do mundo, é pobre e parece insignificante.
Com esse novo comentário narrativo de textos bíblicos (midrash), desde o início do Evangelho, o evangelho associa culturas e religiões diferentes na busca de Deus. Astrólogos de outras tradições espirituais reconhecem Jesus, recém-nascido como “Rei dos Judeus” e, assim se abrem ao reino de Deus (ou dos céus, como Mateus prefere chamá-lo).
Este texto começa dizendo: “Quando Jesus nasceu em Belém da Judéia, nos tempos do rei Herodes...”. Assim, situa o nascimento de Jesus em uma pequena cidade do sul da Judéia, fora do centro e das cidades importantes. Para confirmar esta tradição, Mateus se apóia em um texto do profeta Miquéias que liga Belém com a casa de Davi. O rei Herodes é apresentado neste texto como uma espécie de novo faraó. De fato, ele foi um estrangeiro (indumeu) que se tornou governante da Palestina para os romanos e ganhou do Império o título de rei. Segundo os cálculos históricos, ele teria morrido no ano 4 antes de nossa era, o que coloca o problema da data do nascimento de Jesus. Se foi “nos dias do rei Herodes”, ele nasceu ao menos quatro anos antes do que o calendário oficial denomina ano 1.
Na cultura judaica, não era fácil reconhecer que até a astrologia e a interpretação dos sonhos podem conduzir pessoas como os magos ao Senhor. (Chouraqui chama os magos de “astrólogos”[1]) Na região da Síria e da Ásia Menor era a do deus Mitra. Era um sincretismo de antigos cultos ao sol. Os fiéis de Mitra contavam que o seu deus nasceu numa caverna na noite de 25 de dezembro (solestício do inverno e festa do sol que renasce do frio e da escuridão das noites cada vez mais longas). Aliás, por acaso, os sacerdotes de Mitra se chamavam “magos” porque eram homens que lidavam com os astros e com os mistérios da vida. Será que, ao contar a bela história dos magos que vieram a Belém adorar o menino Jesus, vocês quiseram assumir algo da história de Mitra e transpô-la para o contexto cristão? Hoje, falamos muito de inculturação. Mas, ainda há muitos bispos e pastores que têm preconceito contra sincretismo. Talvez, nessa história, o evangelho queira nos ensinar que há um tipo de sincretismo que é válido e compreensível.
A tradição cristã popular criou a tradição de que os magos eram reis e santos. O evangelho não diz nem uma coisa, nem outra. Diz apenas que eles gostavam das estrelas e vieram de longe, do oriente, atrás de uma estrela e em busca do Rei dos judeus que acabara de nascer neste mundo. Eram astrólogos. Sabiam interpretar o sinal das estrelas. Talvez, hoje, a gente deva aprender novamente a ler os sinais que o céu e principalmente a terra, as águas e o ar estão nos dando, os recados que estão nos passando, o grito de socorro que, a cada dia, eles nos transmitem.
Hoje, ao meditar nesse evangelho, eu me questiono, primeiramente, como anda a radicalidade, a centralidade que deveria ter em minha vida a busca de Deus. Peço a graça dele me colocar de novo no caminho dessa busca, em uma viagem permanente, sem seguranças e sem dogmas, sempre aberto ao que vier e capaz de mudar, de evoluir, de ir mais adiante. Agradeço o tanto que já me deu de sinais de seu caminho. Tantas pessoas que me serviram de estrela de Belém e me conduziram ao presépio vivo de nossos tempos. E hoje agradeço especialmente como sempre tenho sido conduzido a Deus pelos irmãos e irmãs de outras religiões e de tradições diferentes da minha e que foram e são para mim hoje os santos reis (e rainhas) magos da vida, do amor e da luz.