Nesse 5º domingo da Quaresma do ano C, as leituras são muito provocativas para todos nós. A primeira leitura lembra que o projeto de Deus é libertar-nos de todas as nossas escravidões. E a base que nos faz sempre crer que é possível esse caminho é o Êxodo. A leitura de Isaías 42, 16- 21 nos confirma que Deus está sempre disposto a renovar conosco esse caminho de libertação.
Ainda temos tanto a fazer nesse plano da libertação pessoal - no plano do sair da gente mesmo para o outro, no plano da libertação de certas coisas que nos prendem - seja no plano econômico, seja no plano afetivo e tantos outros (a questão do poder, por exemplo). Na segunda leitura, (Fil 3, 8- 14), temos Paulo que confessa: "eu mesmo não cheguei ainda a alcançar essa meta. Estou no caminho".... No evangelho, temos o encontro de Jesus com a mulher surpreendida, como diz o evangelho, em flagrante de adultério. (João 8, 1 - 11). Quase todos os estudiosos da Bíblia concordam que esse não é um texto original do evangelho de João e deve ter sido acrescentado ao conjunto quando todo o evangelho já estava escrito. De todo modo, corresponde a uma atitude fundamental de Jesus e sem dúvida tem uma base histórica.
A primeira coisa que me surpreende é como os religiosos da época querem a todo custo condenar Jesus e não fazem isso com instrumentos do mal, mas se servem das coisas mais santas, da própria lei de Moisés que o Judaísmo e o Cristianismo crêem ter sido revelada por Deus. Até hoje, temos de ter cuidado com isso. A lei que foi feita para garantir os direitos humanos, a justiça, a dignidade de todos, é usada para oprimir as pessoas, para controlar o povo e pode ser instrumento para fazer o profeta cair na armadilha dos seus inimigos. A lei de Deus se insere nas culturas humanas e por isso assume costumes humanos que na época e hoje nem sempre são os mais abertos. A sentença de apedrejar uma mulher adúltera era para salvar a instituição do casamento. Mas, que casamento monogâmico, se o homem podia ter várias mulheres e a mulher era dada ao parente do marido morto como se fosse uma propriedade que ele herdou? Parece que no tempo de Jesus, o flagrante de adultério poderia inclusive nem ser uma relação sexual. Uma suspeita de assédio ou um flerte eram vistos como adultério. E por isso, a mulher poderia ser adúltera, sem haver um homem adúltero. O evangelho não discute a culpa da mulher. Ela é culpada. Não é como a Susana do Antigo Testamento (Dn 13) que iria ser apedrejada porque os dois juízes sem vergonha a queriam como mulher e ela era direita. Não aceitou. Deus a salvou através da sabedoria do jovem Daniel. Nesse caso do evangelho, não. A mulher era culpada. Mas, ali ela é apenas instrumento ou arma para que os doutores da lei (professores da Bíblia, em geral religiosos do templo) pudessem pegar Jesus e o acusar perante o sinédrio dele ser contra a lei de Moisés. E para isso se serviam da coisa mais santa, a lei. Jesus não entra no jogo deles: Diz: quem de vocês não tiver pecado, atire a primeira pedra. Aqueles homens sábios e religiosos foram até honestos. Poderiam ter escondido, negado que eles eram coniventes com o que acontecia na cidade no campo das relações morais. Tiveram a honestidade de sair todos, um por um, como diz o evangelho: a começar pelo mais velho. Jesus se encontra sozinho, ele e a mulher. E ela confirma que ninguém a condenou. Jesus simplesmente lhe diz: Vai em paz e não peques mais.
Comumente, os profetas são pessoas que devem tomar muito cuidado com as mulheres. Na época de Jesus, as mulheres eram vistas como fonte de impureza e ocasião de pecado e sedução. O próprio João Batista, o profeta que foi mestre de Jesus, foi morto por mando de uma mulher Herodíades e pelo pedido de sua filha Salomé. Os grupos judaicos quando construíam as sinagogas faziam uma grade e as mulheres assistiam o culto no sábado por trás das grades. Jesus é diferente. Vivia rodeado de mulheres. Maria Madalena. As irmãs Marta e Maria de Betânia, várias discípulas que o acompanhou a Jerusalém desde a Galileia, sem falar nas mulheres doentes e até prostitutas de aldeia que se aproximavam dele. Nenhum outro profeta daquele tempo era assim. Jesus olha as mulheres com olhos diferentes. Trata-as com ternura. Defende sua dignidade. Até as acolhe como discípulas.
Quem nos ensinará hoje a olhar a mulher como Jesus olhou? Jesus é profeta da compaixão e da misericórdia do Pai.
Temos que sonhar com uma Igreja mais justa e mais igualitária em relação à mulher. Romper o silêncio diante da violência doméstica.
Atualmente, tenho a impressão de que alguma coisa dessas histórias se repetem. Não tenho nenhuma simpatia pessoal pela presidente Dilma e sofri com o fato de vê-la fazer uma campanha para se eleger com promessas de esquerda e no dia seguinte fazer todos os acordos com a direita. Sou contra todas as propostas tipo ajuste fiscal e reforma da previdência. Sou contra a tentativa dela ser aceita pela direita que só a faz ser rejeitada por uns e pelos outros. Sei que amanhã, a direita está mobilizando milhares de pessoas no Brasil todo contra a Dilma. No fundo, estão repetindo essa história de instrumentalizar a mulher. O objetivo deles não é Dilma que eles já impedem de governar. O objetivo é acabar com Lula e o PT. Lula e o PT não foram capazes de ter se mantido fiéis aos sonhos e propostas de uma nova sociedade. Entraram profundamente e muitas vezes não de forma correta no sistema que antes combatiam. No entanto, Lula e todos os cidadãos têm direito à presunção de inocência até que se prove sua culpa. Não podem ser condenados antes de ser julgados apenas por ser do PT e porque a direita muito pior e muito mais corrupta quer retomar o poder que sentiu ter em parte perdido.
Será que nesse domingo, as Igrejas cristãs serão capazes de atualizar a palavra da misericórdia de Jesus ou serão coniventes com a onda de ódio e violência irracional que os meios de comunicação atiçam e ficam felizes de ver pegar fogo?
A CNBB fez nesses dias uma nota sobre a realidade nacional. Achei-a inócua e inútil. Linguagem eclesiástica e diplomática totalmente distante da linguagem direta e profética de Jesus. Sei que não é fácil quando se tem de representar uma sociedade heterogênea e falar em nome de muitos. Mas, penso que quando não se pode ser claro, é melhor ficar calado.
O CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs) foi mais feliz. Fez uma declaração simples e direta contra a tentativa de golpe e pedindo igualdade nos julgamentos, seja contra os do PT, seja contra os de outros partidos que o Moro e os juízes que hoje impõem sobre o Brasil uma ditadura real não se preocupam em ser coniventes e não têm pressa em julgar.
Que nessa Páscoa, ao menos, a partir das bases, as pessoas percebam com um pouco mais de inteligência em que direção aponta Deus para uma libertação integral de nosso país.